sábado, 24 de setembro de 2011

POR QUE ODIAMOS TANTO

Há uma distância muito grande daquilo que aprendemos como um ideal de sociabilidade, amor cristão, amor ao próximo e tolerância com aquilo que efetivamente vivemos. Se fizermos uma lista das pessoas que odiamos a nossa volta qual seria o tamanho desta lista? Começaríamos com pessoas da própria família, se estenderia pelos vizinhos, pelos colegas de trabalho, pelo chinês da pastelaria e quem sabe até na china teríamos um desafeto.

Cada um de nós não tolera alguém quer seja pelo que pensa, pelo que veste, pelo que diz ou simplesmente pelo “ não fomos com a cara.” E por quê? Por que somos tribais e porque sentimos a necessidade de pertencer a um grupo que nos fortalece e nos protege em face de outro grupo que repudiamos.

Este tribalismo hodiernamente se apresenta pelas torcidas de futebol que muitas vezes saem da rivalidade dos campos para as vias de fato chegando ao cúmulo de haver pessoas assassinadas por pertencerem a determinada torcida.

Outra manifestação desse sentimento tribal se dá através da proliferação de grupos religiosos e do grande número de igrejas que vemos espalhadas em to do lugar. Segundo pesquisa, há em torno de trinta e quatro mil religiões catalogadas no mundo todo. No meio desta proliferação de denominações é possível notar a grande contradição humana pois o cristianismo que essencialmente está fundamentado na pessoa de um só Pastor, se encontra fatiada ou fragmentada onde cada unidade se apodera e se auto denomina escolhida e detentora da verdade suprema. Compreensível? Creio que não.

Lembro da canção “ Imagine “ de John Lennon onde determinado parágrafo ele diz o seguinte:

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace


Imagine não existir países
Não é difícil de fazê-lo
Nada pelo que lutar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz


Esta letra da canção não nos faz lembrar a Palestina onde seres humanos até hoje não tem um país para viver? Imagino, sem trocadilho, que John Lennon propôs uma sociedade justa e pacífica em sua canção.


Creio que os sistemas políticos e filosóficos que surgiram para dar um contorno ideal de uma sociedade igualitária, ruíram tal qual o socialismo proletário proposto por Karl Marx onde o mesmo elegeu o trabalhador como o ente principal dentro da sua filosofia.

Dos fragmentos da história restou o sistema capitalista que também não resolveu os problemas do mundo e ainda trás dentro dele, duas concepções responsáveis por sua ruína. A primeira concepção é o alto risco dos investimentos onde são criadas bolhas ou lastros fictícios capazes de arruinar países inteiros como aconteceu na Grécia e grande parte da Comunidade Européia e a segunda concepção é medir o homem somente pelo que ele tem. O sistema capitalista formou um novo homem que é julgado e aceito pelo que tem e não pelo que é.

Em conseqüência disto, este novo homem passou a buscar de todas as formas os bens que farão dele um ser socialmente aceito, independente dos meios que ele usará para tal fim. E vemos hoje o grande número de homicídios, latrocínios, roubos e furtos para que enfim, seja integrado a sociedade do ter.

Voltando ao título Por que odiamos tanto, ouvi de uma psicóloga certa vez que odiamos no outro aquilo que vemos em nós de pior. Escrevi neste mesmo blog um texto sobre a frase “ o inferno são os outros “ de Jean Paul Sartre onde ressaltei a idéia de que o olhar do outro é o grande revelador da nossa essência e por isso perturbadora. O outro vê o que não vejo ou não quero ver. Se o outro tem a capacidade de nos desnudar, o que realmente desejo que seja visto? Se Jean Paul Sartre nos condenou a ver no outro o inferno da para fazer de alguém o céu?

Concluo transcrevendo um relato emocionante sobre um grupo de atletas excepcionais que disputavam as Olimpíadas especiais de Seattle. Assim descreve o texto:


“ Há alguns anos atrás, nas Olimpíadas Especiais de Seattle, nove participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a largada da corrida dos 100 metros rasos

Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar.

Todos com exceção de um garoto , que tropeçou no asfalto, caiu rolando e começou a chorar.

Os outros oito ouviram o choro. Diminuíram o passo e olharam para trás. Então eles viraram e voltaram. Todos eles.

Uma das meninas, com Síndrome de Down, ajoelhou, deu um beijo no garoto e disse: “ Pronto, agora vai sarar.”

E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada.

O estádio inteiro levantou e os aplausos duraram muitos minutos. E as pessoas que estavam ali, naquele dia, continuam repetindo essa história até hoje.

Talvez os atletas fossem deficientes mentais... Mas, com certeza, não eram deficientes da sensibilidade... Por que? Porque, lá no fundo, todos nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho.

O que importa nesta vida é ajudar os outros a vencer, mesmo que isso signifique diminuir o passo e mudar de curso. “
Autor desconhecido

Será que um dia poderemos ver no outro alguém rigorosamente igual a nós tanto nos defeitos como nas qualidades? Que somos e seremos sempre substancialmente humanos? Que odiar o outro pode ser o ódio a si mesmo? Que possamos diminuir a lista de desafetos e incluí-los mais em nosso coração.

Livingston Streck

sábado, 17 de setembro de 2011

O NÚ COLETIVO E O PERDÃO

Spencer Tunick é o fotógrafo americano especializado em fotografar multidões peladas pelo mundo afora. Já esteve no Brasil fotografando e tirando a roupa de milhares de paulistanos no parque do Ibirapuera. Segundo o portal UOL, 17/09, Spencer Tunick acaba de fotografar mais de mil israelenses a beira do mar morto em Israel.

No Brasil, se determinada pessoa tirar a roupa em público, estará cometendo um crime penal de constrangimento. Se um fotógrafo qualquer ou o próprio Spencer desejar fotografar milhares de pessoas nuas aqui no Brasil, estarão fazendo arte e não atentado ao pudor.

Faço esta reflexão baseado nas últimas aspirações coletivas que ocorreu aqui em São Paulo sendo a primeira delas a marcha da maconha. A lei penal trata a maconha como uma substância psicoativa entorpecente, portanto de uso proibido em território nacional. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, guardião máximo da nossa Constituição, autorizou a chamada “ marcha da maconha “ em nome da liberdade de expressão que não deve ser coibida por ser um principio pétreo.

Como não podemos esperar da esfera humana decisões perfeitas e certeiras, achei esta decisão dos ministros que votaram a favor da liberdade no caso específico um tanto esdrúxula e incoerente. Proibir o uso de tal substância mas promover a liberdade de fazer apologia do mesmo beira o irracional.

Afim de entender o porque do mesmo ato ser punível quando praticado isoladamente e quando se estende ao coletivo recebe outras qualificações, penso na força coletiva capaz de mudar paradigmas. Se pensarmos que a bem pouco tempo atrás achariamos inimaginável duas pessoas do mesmo sexo receberem do estado a autorização para se casarem, hoje pode se dizer que é uma realidade incontestável. E só é possível tais mudanças diante da força do coletivo que se impõe perante o estado e a sociedade.

Penso e espero que um dia esta força coletiva poderosa que derruba conceitos e muda uma cultura de um país, possa enfim lutar para mudar aquilo que mais lhe degrada que são os seus representantes políticos que usurpam e roubam da sociedade os tributos que são pagos, a confiança num sistema representativo que pouco o representa, a pobreza e a miséria que são mantidas para garantia perpétua de gerações e gerações de políticos que se sucedem sempre com o mesmo objetivo.

Que não só a maconha ou os direitos dos homossexuais sejam alvo de passeatas e lutas coletivas mas também o direito de termos representantes honestos que não nos roubem ou que roubem pouco pois esperar do homem honestidade e integridade pode ser fantasioso demais.

O país está enterrado na lama da corrupção. Estamos votando e pagando para políticos roubarem o dinheiro que é de todos. É como se convidassemos um desses políticos para irem a nossa casa e lá surrupiassem nossos bens sem que o víssemos. Assim está sendo feito por muitos que longe do nosso olhar roubam dinheiro da saúde, da segurança e da educação.

Se essa roubalheira se tornar coletiva será a vitória do nú. Um homem nú é um crime mas uma coletividade nua é arte, portanto não permitamos que a roubalheira vire arte em nosso país.

Livingston Streck

sábado, 27 de agosto de 2011

A SÍNDROME DE D. QUIXOTE I


A inesgotável interpretação e releitura de D. Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes Saavedra é atualíssimo mesmo tendo sido publicado em 1605. O tempo é capaz de mudar o homem? Penso que não. Somos ante-diluvianos, babilônicos, egipcios e hebreus. Tal como o poema “ As causas “ de Borges, foi preciso, antes de nós, a torre de babel e a soberba.

D. Quixote é o personagem que se auto denominou um cavaleiro imbuido de trazer justiça e enfrentar os inimigos que reconhecesse como tal. Despiu-se da sua lucidez após noites em claro lendo tudo o que podia sobre estórias de cavalarias, fantasias, contendas, batalhas e desafios. No livro o desvairado cavaleiro acredita naquilo que ele imaginou e se tornou. Cada detalhe de sua indumentária é real, adequada, segura e protetiva. A loucura o livra do medo.

Mas não é do personagem de Cervantes que desejo retratar neste texto. Desejo sim trazer a tona o D. Quixote que habita dentro de cada um de nós.

Lembro algum tempo atrás que determinado cidadão frequentou a alta sociedade se auto denominando proprietário de conhecida empresa aérea de nosso país. Foi fotografado, entrevistado e recebido com bastante atenção nos lugares que frequentava. Um D. Quixote megalônamo dos nossos tempos?

Há também os D. Quixotes do cartão de crédito e do cheque especial. É interessante observar que o sistema financeiro faz brotar dentro de nós os D. Quixotes do dinheiro invisível. Gastamos o que não temos e o que não nos pertence apesar da bondade dos bancos em nos conceder quantias vultosas e atrativas.

Me chama atenção também os D. Quixotes da auto imagem ou mais precisamente os que sofrem de transtornos dismórficos que é a idéia errada sobre a imagem de sí mesma. O culto ao corpo e a exacerbação do belo tem produzido D. Quixotes em massa no mundo. Conforme recente estatística o Brasil é o segundo país do mundo em maior quantidade de cirurgias plásticas sendo que metade delas puramente estéticas.
As pessoas não se reconhecem mais no espelho, não se gostam e não se aceitam. Há um padrão e uma meta a ser atingida. Temos que ser refeitos. Temos que ser os D. Quixotes da indústria da beleza, da cosmetologia e do bisturí.

Há os D. Quixotes da fé que arrebanham milhares de pessoas prometendo um céu de concreto aos seus seguidores. Montam em seus Rocinantes em busca de inimigos invisíveis dispostos a salvar e libertar as pessoas de seus “ inevitáveis destinos. “ Aumentam consideravelmente seus adeptos-correntistas que por vezes não sabem se entram num banco ou numa igreja.

Qual o D. Quixote que nos habita? Qual a realidade que abandonamos para vestir a loucura do personagem de Cervantes afim de criarmos uma vida paralela nestes tempos de redes sociais? Vemos o nosso próprio eu com sua essência ou estamos amalgamados dentro de um espelho disforme do qual não nos reconhecemos mais? São questionamentos que o clássico de Miguel de Cervantes me provoca e que me faz voltar ao assunto em outro texto.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A PEDRA ETERNA


Um oceano
Sem porto
Me navega
O peito
No profundo
Turvo
De mim,

Me bóiam
Olhos tristes
Na correnteza
De dias
E dias,

O verde
Das folhas
Que balançam
O ar
Caem secas
No duro chão
Acolhedor,

Rios de lágrimas
Me sulcam
A face
Em busca
De novos
Atalhos,

O sorriso
É um sol
Entre nuvens
Espessas,

Na boca
Guardado
O choro
Para outras
Tristezas,

O amor
É uma brisa
Que trás
Do outro lado
Ventanias,

É lava
Que incandesce
Mas também
É ártico,

O amor
É profundo,
É soturno
Mas se embrenha
Por vezes
Na superfície
Da pele,

Um oceano
Sem porto
Me navega
O peito
No profundo
Turvo
De mim,

A pedra
Jogada
Na água parada
Não fere
Mas estilhaça
As coisas
Ali refletidas,

Talvez um sol
Descido
Do céu
Pairado
Em singeleza
Na pele da água,

A palavra
É uma pedra
Arremessada
Que o peito
Não apara,

A palavra
É uma pedra
Que vara
O tempo,

A palavra
Não se esquece
Por isso eterna
Uma eterna
Pedra
Que nasce
Na boca
E provoca
o silêncio
Da lágrima
Do olhar.

Livingston Streck – 16/08/2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

PARA VIVER UM GRANDE AMOR

Poema baseado no texto “ Para viver um grande amor “ de Vinicius de Moraes

É preciso ler
Um poema de Vinícius
Embrenhar-se no livro
De Cantares
Escrever um poema
Apaixonado
Para viver um grande amor

É preciso uma janela
E também uma saudade
Pois só o grande amor
Encerra no quadrilátero
Uma lágrima de verdade

Para ter um grande amor
É preciso simplicidade
É ver no desalinho
A perfeita beleza do amor
O acordar do corpo
Da pessoa amada
Como o desabrochar
Da rosa
Ao primeiro raio de sol

Para viver um grande amor
É preciso uma surpresa diária
Um toque inesperado
No ombro
Um abraço de supetão
Os beijos roubados
Nunca programados
Para viver um grande amor

É preciso espreitar o outro
No mínimo gesto
E movimento
É descobrir um pequeno
Detalhe
Um novo sulco na boca
Uma pinta escondida
No corpo
É decifrar o suspiro
E conversar com a respiração
Do outro
Para viver um grande amor

Para viver um grande amor
É preciso dizer
A ele ou a ela
Que hoje foi escolhido
O dia nacional
Dele ou dela
Que foi decretado feriado
Para viver um grande amor

É preciso que os olhos se encontrem
E que os beijos sejam demorados
Que cheguem flores
E o café seja dado na cama
Para viver um grande amor
É preciso que se doe
Por inteiro

Para viver um grande amor
É preciso
Apaixonar-se todo dia
É fazer da pessoa amada
O primeiro namorado
A primeira namorada
É fazer de todo dia
Sempre o dia primeiro.

Livingston Streck

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O ESTAMPIDO E A COMPAIXÃO


Era cedo da manhã quando nos preparávamos para tomar o café. O cachorro uivava e chorava de dor no pequeno galpão do fundo da casa. Éramos crianças e tínhamos apego aquele cão desde quando chegou em nossa casa. Não tinha raça nem beleza. Era apenas um cão com sua natureza e seu afeto.

A rua de nossa casa era bastante movimentada e para os animais, tais ruas significam a própria morte. Até o dia em que o cão encontrou o portão aberto e foi perscrutar a rua. Foi em busca de outros cheiros e experimentou a liberdade que a rua lhe proporcionava. Correu desvairadamente rua afora até o momento em que um caminhão passou por cima da sua parte traseira.

Reconhecemos seus gritos e sua dor e lá fomos nós buscá-lo para dentro de casa. Trouxemos o cachorro no colo e o levamos para o galpão onde o acondicionamos da melhor maneira possível para que sua dor fosse amenizada. A metade para baixo do cachorro estava quebrada. Condenado a não mais andar, ele nos olhava com um olhar de dor e medo. Devolvemos a ele nosso olhar de compaixão e tristeza.

Resgatei esta história de minha memória lendo o conto “ Baleia “ de Graciliano Ramos. No conto, Baleia é uma cadela doente que Fabiano deseja matar para aliviar a sua dor. Para matá-la, Fabiano carrega a espingarda com bastante pólvora e após carregá-la, mira-a e acerta sua parte traseira inutilizando sua perna. Baleia foge com o que sobrou de seu corpo e se esconde de Fabiano para usufruir um pouco mais da sua vida.

A Baleia da minha infância teve destino similar a do conto de Graciliano. Tal como escrevi no inicio deste texto, quando nos preparávamos para tomar o café, o vizinho tocou a campainha e pediu autorização para sacrificar o desafortunado cãozinho. Assim como Baleia era considerado um membro da família, o pequeno cão também era um membro de nossa família. Um membro que chorava e uivava dia e noite pela dor.

O vizinho então o levou para sua casa para sacrificá-lo. Ainda deu para ouvirmos seus últimos gemidos de dor até que houve silencio.

Lembro de um estampido de revólver que varou o ar levando embora aquele cão. Choramos e começamos a aprender a partir dali o transitório de nossas vidas. Que o amor se esvai, que o olhar se esvai, que a vida se esvai. Que perdura a memória e os fatos guardados em silencio dentro da gente até quando durar a nossa memória e revivermos na memória de outra pessoa.

Livingston Streck

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A MENINA


A casa era feia com aspecto de abandonada mas ela morava lá. Os anos sulcaram sua face profundamente mas seus olhos mantinham um sorriso e um brilho próprios. Parecia que a solidão não a incomodava. Ninguém a visitava exceto a menina da casa 18.

Toda manhã antes de ir para a escola a menina deixava uma flor, uma maça, um biscoito, qualquer coisa que pudesse faze-la feliz. A menina era de poucas palavras. Tinha apenas 12 anos mas já ostentava tamanha compaixão.

A idosa abria o portãozinho velho de madeira suspenso apenas na parte de cima. Ela abraçava a menina com afago e carinho e recebia com sorriso o presente do dia. Havia entre elas uma cumplicidade tamanha que apenas o olhar era suficiente para dizer e ouvir.

Um dia a idosa cochichou bem pertinho do seu ouvido dizendo: alguém na escola faz seu coraçãozinho bater mais forte? A menina ruborizou a face e olhando para baixo acenou com a cabeça que sim. Faz bem meu anjo,disse a velhinha, pois o amor é o único remédio que nos mantém vivos. Aproveite e ame com toda sua vida, seu corpo e sua alma. Doe-se com toda a bondade que tens da mesma forma que és bondosa comigo. Quando tiveres seus filhos eles irão fazer o que fazes comigo. Plante essa bondade no
coração deles.

Então a menina perguntou para a idosa: mas, você tem filhos? A pergunta a pegou desprevenida pois não esperava ouvir essa particularidade de sua vida. Uma lágrima furtiva rolou de sua face e de repente o choro tomou conta dos seus olhos.

Você é muito jovem para entender essas coisas mas tive sim uma menina igual e tão bonita quanto você. Quando ela nasceu não pude criá-la e tê-la comigo então acabei dando para uma família que deu todo o carinho e amor. A única condição que impus era poder morar perto da família para a ver crescendo . Eles aceitaram e desde então acompanhei o crescimento dela ao longe sem que ela soubesse que era minha filha. A vi todos os dias como você vê a mim também.

E como é ver sua filha e não poder dizer nada? Disse a menina. Dói muito até hoje pois a vejo sempre. Mas onde ela mora? Replicou ela. Mora bem perto daqui, bem pertinho.
Vá para a escola meu anjinho. Você está atrasada pois conversamos muito hoje. A menina foi para a escola triste e encucada com aquele mistério.

No dia seguinte ela apanhou uma flor para levar a idosa, como de costume, quando de repente se deparou com um movimento em frente a casa dela. Uma fita amarela isolava a entrada da casa e um carro do IML estava estacionado a porta da casa. De dentro os homens retiravam a idosa inerte e silenciosa sem saber que a menina estava lá para lhe deixar uma flor.

Livingston Streck

quarta-feira, 18 de maio de 2011

NUVENS E COISAS

Preciso falar
Com meu silencio
Nestas noites frias
De fantasmas esculpidos,
Os desejos todos
Encolhidos
No canto da memória,
Uma doce canção
Empareda o coração
No peito
Só,
As nuvens
Brincam de coisas
No céu azul
De silêncio
E não sabem
De nós
Nem da lágrima
Dolorosa
Que cai
Na noite,
A palavra
O último refúgio
Da solidão
De um homem
Que ainda ouve
O grito sufocante
Do peito,
O deslize
De pensar
Que há sempre
Um amanhã
Um amanhã
De nuvens
Que foram embora
E que não voltam
Mais
Para virar coisas
No céu
De silêncio
E solidão.

Livingston Streck

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O piano, a pedra e a redenção


Lembro subitamente de dois filmes que assisti onde o piano é o grande protagonista de ambos os filmes. O primeiro filme chama-se “ O piano “ de Jane Campion e o segundo “ O pianista “ de Roman Polanski.

“ O piano “ me sensibilizou pela ligação do instrumento com a mulher que possuía uma deficiência de comunicação e passou a usar a música para interagir. Como a música é um meio de comunicação pouco entendida, no filme, ela sofre perseguição do seu marido por não entender a necessidade de fazer do piano o seu prolongamento. O filme tem um desdobramento passional, lírico e redentor.

“O pianista” retrata um personagem judeu que habita o gueto de Varsóvia e sofre a perseguição dos nazistas juntamente com sua família. Na fuga, o personagem, um brilhante pianista, esconde-se em meio a uma casa abandonada e de repente é flagrado por um soldado alemão que o indaga e deseja saber quem ele é, o que faz e por que está se escondendo. O pianista então, já debilitado, com barba por fazer, sujo e sem comer há dias, é levado pelo soldado nazista a um compartimento que havia um piano e diz: toque alguma coisa. O piano o redime, a música liga soldado e fugitivo.

No Brasil temos um grande pianista chamado Nelson Freire. Em tempo foi produzido pelo documentarista João Moreira Salles um belíssimo documentário sobre sua vida que não me canso de assistir. Nelson Freire está entre os cinco maiores pianistas de todos os tempos.

No documentário vemos a intimidade quase hermética desse pianista que se comunica mais pelos dedos do que pela própria boca. Um homem de silêncios, de andar nervoso e uma introspecção profunda. Em determinado momento, no documentário, Nelson se recusa a ensaiar em um piano por não ter ido com a cara dele. “ Não gosto dele não adianta, “ disse ele.

Nelson executando o concerto nº 2 de Brahms é um momento de êxtase ouvirmos e vermos seus dedos deslizando sobre o teclado. A certa altura seus dedos parecem não tocar o piano e a música se auto executa como um corpo independente.

Se Nelson estivesse numa ilha com apenas uma pedra, creio que seus dedos tirariam da pedra esse concerto de Brahms. E a música por vezes não pode ser a própria pedra? Schopenhauer afirmou certa vez que ” a arquitetura é música congelada.”

No filme o piano, a personagem faz do instrumento um órgão do próprio corpo e encontra uma forma de viver e amar. O piano a redime. Também ocorre no filme O pianista a redenção do personagem. O piano salva sua vida.

Pode o piano salvar o mundo? Pode a música resgatar o homem da crueldade e da obscuridade? Leio reportagem que os Estados Unidos já gastou mais de 10 trilhões de dólares em uma década combatendo o terrorismo. Num devaneio imagino cada dólar sendo gasto com música e imagino esse mundo infestado de pianos. No lugar de metralhadoras e tanques seria bem melhor pianos e para cada piano quem sabe um Nelson Freire para nos resgatar e nos redimir das trevas que entrincheira mais o homem nessa busca desenfreada do vazio e do nada.

Livingston Streck

quarta-feira, 4 de maio de 2011

BIN LADEN E O DIREITO DE SER SEPULTADO SEGUNDO A PEÇA “ ANTÍGONA “

A morte de Bin Laden conforme está sendo noticiado e da forma como ocorreu, me fez lembrar da tragédia grega “ Antígona “ de Sófocles.

Na peça, Antígona revolta-se contra seu tio Creonte, um tirano que assumiu o poder, por que o mesmo proibiu que Polinices, irmão de Antígona, fosse enterrado de forma digna conforme o costume grego.

Polinices desafiou seu irmão Etéocles e lutou contra ele para assumir o poder em Tebas depois da morte de Édipo, seu pai, mas ambos morreram neste embate. Creonte, herdeiro natural do trono, enterrou com todas as honras Etéocles mas proibiu que Polinices fosse enterrado e decretou a morte quem o fizesse.

Antígona revolta-se então contra seu tio Creonte e o desafia dizendo que vai enterrar seu irmão conforme os costumes.

Osama Bin Laden, terrorista morto pelo exército americano segundo as próprias palavras do presidente Barack Obama, teve destino similar ao de Polinices da tragédia grega. Nenhum interesse tenho eu de invocar dignidade ao insepulto terrorista mas, tão somente, na morte de quem quer que seja, deveria ser respeitado as crenças de cada um para que o costume de um povo não seja aviltado.

Me posiciono de forma contrária ao desfecho dos fatos ocorridos com o terrorista em questão pois acho que o mesmo deveria ser pego com vida e sofrer um processo por atentado contra a humanidade e penalizá-lo com a pena de morte tal qual ocorreu com o ditador Saddam Hussein.

Quem conhece a peça “ Antígona “ sabe que ela desafiou Creonte e foi condenada a morte por cumprir o prometido conforme as crenças locais. Hémon, filho de Creonte e também companheiro de Antígona, morre por protegê-la e por mostrar ao pai a tirania e o abuso do poder a que ele se deixou dominar.

Esta tragédia apresentada por Sófocles é de uma riqueza analítica sobre fatos contemporâneos e possui um lastro filosófico para entendermos os embates ainda hoje decorrentes sobre o que é costume e o que é direito.

O povo americano louva o desfecho e a possível morte do terrorista Osama Bin Laden, digo possível, pois até o momento não foram divulgadas satisfatoriamente as fotos e comprovações mais convincentes do ocorrido.

Entendo a necessidade da catarse americana para vingar a morte das suas mais de três mil vítimas do World Trade Center e do avião que caiu perto do Pentágono mas não concordo com o aviltamento do estado de direito, dos costumes e do processo que uma democracia deve respeitar. O terrorista faz a sua lei. A democracia é feita pelo consenso do estado representado pelo povo através da sua legislatura.

Bin Laden foi jogado ao mar conforme dizem os jornais. Em não havendo corpo, não haverá punição, não haverá a pedagogia e o cumprimento da lei. Apenas a atitude tresloucada de uma vingança catártica que inflamará os adeptos e os seus seguidores a, isto sim, procurar cumprir os costumes a que estão submetidos por sua cultura.

Livingston Streck

domingo, 24 de abril de 2011

O CORDEIRO E A GALINHA


Segundo a tradição bíblica, o primeiro casal saído das mãos de Deus, vivia nú pelo jardim do Éden e encontrava Deus pela manhã e a tarde. Eram revestidos da luz divina e não conheciam o pudor e a mácula.

Mas um dia, segundo o relato, perderam esta inocência e esconderam-se de Deus por que se viram nús. Deus os chamou pelo jardim e perguntou por que estavam escondidos. O casal então respondeu que estava com vergonha por estarem despidos.

Desde então a nudez passou a ser o grande imbróglio humano.

Mas era necessário vestir o casal a partir de agora. E como foram vestidos? Diz o texto que lhes foram feitos peles de cordeiro para servir de roupa. E dai se conclui que a primeira morte no mundo foi do cordeiro que doou a sua pele ao primeiro casal.

A morte então passou a ser o suprimento da necessidade humana. Muitos cordeiros foram necessários para vestirem os primeiros moradores da terra. Os animais foram inclusos no cardápio humano e a morte passou a ser o combustível para a vida.

Leio o conto " A galinha " de Clarice Lispector e me compadeço desse nobre ser. Uma galinha estava pronta para ser o almoço de domingo quando de repente ela corre em disparada entre muros e telhados dos vizinhos. A família corre atrás da galinha para garantir o almoço quando, em meio a fuga, ela põe um ovo no meio do caminho.

Aquele gesto de provisão, de doação e de vida, muda os planos da família e decidem não comer a galinha.

Torci para que ao final do conto ela pudesse ser esquecida e sobreviver. Mas não, acabou sendo comida.

A reflexão que faço neste domingo de Páscoa é que a morte é sempre um elemento provisional. Para cobrir a nudez humana foi necessário a morte. Para suprir a fome a morte quase sempre é o alimento.

Será a morte um dia debelada para a vida reinar suprema?

Livingston Streck

domingo, 17 de abril de 2011

A OMISSÃO E O ABANDONO DOS FILHOS POR PARTE DO NÃO-GUARDIÃO DIANTE DA SEPARAÇÃO CONJUGAL


I - Introdução

O trabalho a seguir tem como objetivo apontar algumas questões oriundas da omissão e do abandono do não-guardião em relação aos filhos quando da dissolução do casamento ou da união estável.

Devido a facilitação do divórcio regulamentado pela Emenda Constitucional n.° 66 de 13 de julho de 2010, entendemos que aumentará substancialmente o número de casais que irão bater as portas da justiça para buscar a dissolução do casamento e do companheirismo denominado união estável.

Diante desta constatação, preocupa-me o número de filhos que irão presenciar o rompimento e o fim da normalidade dos seus lares, os traumas que surgirão decorrentes da separação dos pais e o mais grave de tudo, a omissão e o abandono dos filhos que normalmente o não-guardião provoca por achar que não estando na companhia dos mesmos, também não terá a obrigação de acompanhá-los no seu crescimento e nas suas dificuldades. Seguirá o que for convencionado na petição e provavelmente atenderá o básico que o juíz determinar.

Recentemente uma pessoa me perguntou se era possível requerer a devolução do pagamento de alimentos pagos a um filho maior de idade. Evidente que pelo princípio da dignidade humana e da irrepetibilidade, tal devolução é incabível mesmo a lei não tratando abertamente sobre esta possibilidade. Os alimentos extinguem-se em si.

Tive conhecimento de outro fato onde uma mãe foi ameaçada pelo cônjuge não-guardião em pedir a revisão dos alimentos acordados para os três filhos com o intuito de atingi-la ameaçando desprover do amparo financeiro a prole do casal.

Casos como estes revelam uma frieza paterna em relação aos filhos onde os mesmos ficam muitas vezes sob a responsabilidade da mãe que nem sempre consegue dar a atenção devida por ter que trabalhar em tempo integral. Não conseguem acompanhar o desempenho dos filhos na escola, tem poucas horas de lazer e não suprem a ausência da figura paterna por motivos óbvios.

Qual é a obrigação do cônjuge não-guardião diante da separação? O que diz a lei sobre a responsabilidade do pai? O instituto da guarda compartilhada veio para solucionar e equilibrar o pátrio poder nos interesses dos menores? É o que veremos na sequência do texto.

II - A responsabilidade do cônjuge não-guardião

A dissolução do casamento não dissolve o parentesco. Os filhos continuam sendo o resultado da união que os gerou. Portanto, a lei teve o cuidado de restabelecer o equilíbrio e ocupar o vazio deixado pela ausência do pai ou da mãe para amenizar e atenuar as consequências frustrantes do término do casamento.

O Código Civil deixa claro qual deve ser a relação entre pais e filhos quando da separação. Em seu artigo 1.632 assim está explícito:

" A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. "

Segundo o entendimento da lei a única alteração que ocorre é a falta da companhia constante dos filhos que deixa de existir pelo simples fato da ruptura do casal. E tão somente isto. O amor, a atenção, a preocupação e a ligação afetivas devem ser mantidas diante das condições existentes para que a criança não interprete o afastamento do seu genitor ou genitora como um rompimento que atinja de modo central o afeto. É o afeto a grande preocupação da lei quando se trata de crianças em formação psico-social.

O parágrafo 3.° do artigo 1.583 do Código Civil impõe ao pai ou a mãe o seguinte:

" A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos."

A parte grifada do parágrafo acima deu ensejo ao instituto da guarda compartilhada que veremos no tópico abaixo.

No que concerne a responsabilidade do não-guardião o Código Civil robustece a atribuição do pai ou da mãe no seguinte. Diz o artigo 1.589 in verbis:

" O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. "

A parte grifada deste artigo reforça a idéia da importância que é a companhia dos pais não-guardiões com os filhos, e principalmente a sua preocupação em fiscalizar a sua manutenção e o acompanhamento com a educação. A lei certamente pensou no quanto uma separação pode afetar o desempenho escolar das crianças, as dificuldades no aprendizado escrito e verbal, a baixa pontuação de notas que podem ocorrer pelos distúrbios ocasionados pela separação.

Neste sentido a lei é clara e obriga o pai ou a mãe a suprir esta lacuna afim de não prejudicar o desenvolvimento da criança.

O ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente ) também teve a preocupação de legislar nesse sentido de onde se lê o seguinte no artigo 22 da lei n.° 8.069/1990:

" Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir as determinações judiciais. "

Por fim, a Constituição Federal principia de forma ampla o cuidado que deve os mais variados segmentos da sociedade em salvaguardar os interesses das crianças e adolescentes. No seu artigo 227 ela assim diz:

" É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. "

Podemos extrair dos artigos de lei expostos acima a obrigatoriedade dos pais principalmente os não-guardiões, o dever e a responsabilidade de prover o cuidado, a manutenção e principalmente o aspecto educação que é a base e o pilar que formará o homem para a sociedade.

Como a mulher quase sempre detém a guarda dos filhos, o homem é, regra geral, o não-guardião dos filhos. Na maioria das vezes ele se atém as determinações judiciais que é a visita e a companhia por pelo menos 34 horas quinzenalmente. É notório também que muitos pais não respeitam esta imposição do juiz e tratam com desleixo esta obrigação tendo a companhia dos filhos por algumas horas devolvendo-os a mãe antes mesmo do anoitecer.

Atitudes assim demonstram mais uma obrigação judicial de estar com os filhos do que a vontade intrínseca movida pelo afeto e amor aos filhos. Acho profundamente lamentável o pai que só cumpre determinadas obrigações porque a justiça às impõe.

III - O instituto da guarda compartilhada

A guarda compartilhada é o novo instituto da família regulamentada pela Lei n.° 11.698 de 2008 que veio trazer uma aproximação maior do não-guardião à convivência com os filhos. O Código Civil no seu art. 1.583, parágrafo 1.° assim dispõe sobre o instituto:

" A guarda será unilateral ou compartilhada. "

Parágrafo 1.° - " Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua ( art. 1584, par. 5.° ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. "

A guarda compartilhada veio para suprir dois aspectos bastante comprometidos na separação. O interesse da criança que as vezes fica em segundo plano e a forte carga emocional e física que sobrecarrega a mulher. A lei, no seu intento, procurou dividir de forma mais igualitária as responsabilidades que a muito pertencem a mulher.

Ao falarmos de convivência não estamos meramente falando das poucas horas que os pais passam na companhia dos filhos, geralmente no final de semana, mas de uma atuação mais intensa nas decisões dos filhos tais como acompanhamento ao médico e psicólogo, comparecimento as reuniões escolares e viagens, apresentações de peças na escola entre outras atividades.

Outro aspecto observado pelo legislador foi o impacto psicológico da ruptura da família e do cônjuge pelo olhar da criança. Em artigo publicado pela Revista Visão Jurídica N.° 55 á pág. 65, a articulista Alexandra Ullmann expõe o seguinte raciocínio sobre o impacto temporal na mente da criança. Diz ela:

" Diante desta nova perspectiva, uma convivência quinzenal não comporta a participação ativa que hoje pretendem os genitores na vida dos filhos. Sem contar que as crianças, principalmente as menores, não tem percepção exata do tempo transcorrido entre o aparecer e o desaparecer do genitor quinzenalmente. Para elas, o entendimento é de surgimento e abandono de forma repetida. "

Continua ela, na mesma pág., outro raciocínio agora sobre a perda da parentalidade:

" Ambos os genitores são necessários à formação completa da personalidade de uma criança.
A guarda compartilhada é uma forma de reforçar a parentalidade, valorizando de forma diferenciada, mas com os mesmos pesos e medidas, as funções da maternidade e da paternidade. "


Nos dois parágrafos expostos acima a articulista destaca a suma importância da presença do pai ou da mãe não-guardiões na vida da criança afim de atenuar essa lacuna imposta pela perecibilidade das relações conjugais. O instituto procura aproximar novamente o pai ou a mãe junto à criança para não comprometer os laços consanguíneos.

IV - Conclusão

Em boa hora a legislação brasileira procurou preencher as lacunas e atender os princípios da dignidade humana expostos na Constituição Federal ( art. 1.° inc. III ) afim de defender os interesses das crianças e adolescentes. Temos no ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente ) uma das legislações mais completas do mundo que abrange de forma ampla a proteção delas. Por outro lado, ainda vemos inúmeras crianças que não tem na legislação o suporte adequado para sua proteção. São exploradas nos faróis das avenidas por seus responsáveis, dormem debaixo de marquises e são vítimas das drogas e da exploração sexual adulta.

Por outro lado vemos pais irresponsáveis que não dedicam verdadeira atenção, carinho e afeto aos seus filhos e que coercitivamente são obrigados pela justiça a cumprirem suas obrigações. Muitas dessas crianças, por vezes, são objetos nas mãos dos pais onde são jogadas um contra o outro para atingirem suas disputas, diferenças e mágoas. A lei trata como alienação parental jogar o filho contra o cônjuge.

Espero que a guarda compartilhada cumpra com o papel de resgatar a companhia dos pais com seus filhos que não mais convivem sob o mesmo teto. Que as relações sejam verdadeiramente mantidas pelo afeto e que não seja necessário a justiça obrigar os pais a estarem em companhia dos seus filhos. Que os novos rumos da família não comprometam o afeto e o amor que deve ser a base consistente de toda uma sociedade que busque a paz e o humanismo.

Livingston Streck

Bacharel em Direito

sexta-feira, 8 de abril de 2011

ECOS DE COLUMBINE OU OS TIROS DE REALENGO

Da nação mais poderosa do mundo importamos o conforto, a tecnologia, o fast food e por fim a tragédia. Não tínhamos por aqui assassinos de estudantes como há nos Estados Unidos mas agora entramos no primeiro mundo da tragédia coletiva.

As mortes dos estudantes de Realengo fez o país correr o mundo. Se não podemos dar um prêmio nobel, ou um oscar ao país, podemos hoje entrar na lista dos paises que projetam em seu seio, psicóticos capazes de cometer barbáries com crianças indefesas.

Wellington Menezes de Oliveira é o autor da carnificina que tirou a vida de 12 crianças até o momento. Deixou uma carta-testamento reafirmando seu desejo de ser tocado apenas por pessoas puras que não tenham sido contaminadas pelos desejos sexuais impróprios e que não sejam adúlteros nem fornicadores. No seu delirio psicótico, Wellington se incumbe de uma assepsia moral o que talvez tenha motivado " limpar pessoas ".

No caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 8/4, diz a reportagem que a mãe adotiva de Wellington, já falecida, era da Igreja Testemunhas de Jeová. Muito provavelmente o rapaz deve ter recebido de sua mãe, os ensinamentos religiosos de salvação, pureza, vida eterna etc. Nenhuma crítica a religião pois as mesmas não doutrinam ninguém a serem assassinos, mas faço uma ressalva de que o encontro de uma religião com uma cabeça psicótica pode dar nisso que vimos ontem,7/4, na tragédia de Realengo.

Muitos especialistas estão sendo chamados a explicar o acontecimento. Psiquiatras e Psicólogos tentam traduzir o que leva uma pessoa a montar uma estratégia do aniquilamento de forma fria e calculista. Não há respostas nem consensos. A barbárie paralisa e nos assombra.

Lembro de um comentário do meu professor de Direito Processual Penal na faculdade, em uma conversa informal , em que ele nos falava a respeito do filme " Tiros em Columbine " que havia estreado naquela ocasião. Nos dizia que em breve haveria de replicar fora dos Estados Unidos, inclusive no Brasil, jovens dispostos a matar colegas afim de buscar um status de horror. Que a mídia daria o combustível para povoar a cabeça de jovens psicóticos que buscariam dentro de sí mesmos a lógica da bárbarie. Infelizmente vejo que meu professor estava certo.

Diante do fato que se inaugura em nosso país, esta nova modalidade de violência, é mister repensarmos o que damos aos nossos filhos para se divertirem quando se trata de jogos no computador. Sei da existência de inúmeros jogos extremamente violentos que só alimentam mais a sede de sangue nos adolescentes.

A internet, um instrumento que muito facilita a vida das pessoas, tem aprisionado jovens, abstendo-os dos amigos e familiares para viver vidas paralelas e virtuais de onde nascem cabeças psicóticas que saem dos seus pesadelos para pôr em prática sua maldade.

Chega-me ainda a informação, através da televisão, que o matador Wellington de Oliveira deixou escrito sua intençao de fazer uma chacina na escola onde ele estudou, baseado e inspirado nos fatos ocorridos no colégio Columbine, em Littleton, Colorado, onde dois jovens metralharam a biblioteca da escola deixando um saldo de 12 alunos e 1 professor mortos. Segundo os relatos encontrados nos pertences de Wellington, o mesmo escreveu que faria da escola um novo Columbine.

Os tiros de Columbine deflagraram uma onda de chacinas pelo mundo que reverberou na Alemanha, na Finlândia e China. Espero que a mídia não popularize essa barbárie transformando Wellington num Macunaíma do horror. Que não prolifere essa nova modalidade de terror em nosso país que já não suporta mais tamanha violência, assaltos e homicidios que ocorrem em todos os lugares.

Ou calamos os tiros de Realengo com educação, com pacificação e com um olhar menos material e mais transcedental ou desceremos as trevas medievais onde a vida pouca importância terá, quiçá nenhuma.

Livingston Streck

sábado, 26 de março de 2011

A CAMAREIRA E O PEDREIRO DE MINAS GERAIS

Certos acontecimentos que estarrecem a sociedade podem muito bem ir para as páginas de um livro em forma de ficção. E não é a ficção a porta de entrada da realidade?

Reflito sobre isso ao terminar a leitura do livro ¨A Camareira¨ do escritor alemão Markus Orths que descreve a vida de uma camareira ( Lynn ) que após sair do hospicio arruma um trabalho em um hotel e passa a perscrutar a vida dos hóspedes através dos seus objetos e, não contente em observar tais objetos, passa a esconder-se embaixo da cama de um hóspede para dividir sua intimidade.

Lynn na verdade não deseja existir. A existência lhe é um incômodo. Por isso ela pergunta, como seria , se ninguém me notasse?(...) Se ninguém me vê, eu me desfaço numa solução de paz e vivo como que sob a água.

Lynn procura desvendar a presença humana através dos seus objetos. Os pormenores de cada coisa, até as inúteis, denunciam o que a pessoa representa. Torna-se uma detetive da própria curiosidade. Esmiúça os vestígios dos outros para quem sabe imiscuir-se ao seu próprio.

Lynn não quer ser vista e os seus vestígios devem perder-se nos dos outros. Ela nao sabe se vive nem sequer conhece sua existência ou seu sentido. Vive pelos vestígios que encontra pelo meio do caminho. A protagonista do livro tenta limpar o mundo ao extremo. Cada detalhe, cada fresta, cada canaleta deve ser limpa. Para ela o mundo é sujo. As pessoas são sujas.

A história do pedreiro de Minas Gerais não pertence a ficção. É real e estarrecedora. Segundo os fatos jornalísticos, o pedreiro Adão Silvio Santos, 49 anos, assassinou seu patrão, o empreiteiro Sebastião Maximino Santos, 52 anos, em Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte através do micro ondas (forma de exterminar uma pessoa através de pneus colocados em volta da pessoa e posteriormente acionados com fogo ).

A policia concluiu através de inquérito policial que o pedreiro eliminou seu patrão por que o mesmo desejou viver a vida dele. Apossou-se de sua casa, seu carro e seus documentos. O fato nos faz lembrar o filme ¨O talentoso Ripley ¨ que exterminava seus amigos para viver a vida deles.

Onde se imiscuem a vida ficticia da personagem Lynn, a camareira, com a vida do pedreiro Adão Silvio Santos? Ambos não querem viver suas vidas. Não as suportam e não as aceitam. Lynn faz da sujeira uma ponte para encontrar o outro. O pedreiro mata para ocupar o vazio da vítima.

A ficção e a realidade me fazem pensar que estamos nos tornandos ávidos pela vida alheia. A proliferação de redes sociais, Face Book, Orkut, as revistas de fofocas e os realitys shows, são os instrumentos dessa vampirização humana que assola a sociedade alimentando uma indústria do consumo da imagem e da inutilidade.

Queremos o outro pelo outro simplesmente. As ações e o altruismo do outro em prol da humanidade, Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Sergio Bandeira de Mello não são motivo de nossa contemplação. Interessam Marias, Wesleys e Rodrigos. Quem nunca viu tais personagens é so ver o big brother da Globo.

Lynn voltou para debaixo da cama para continuar espionando o outro e viver. O pedreiro está preso sem a vida do outro e sem ¨a própria vida¨.

E nós, estamos vivendo a vida de quem?

Livingston Streck

sábado, 19 de março de 2011

A SEGUNDA VIDA DE LÚCIA DUARTE


Conheci Lúcia Duarte a alguns anos atrás num Reveillon em Copacabana, em seu apartamento, e sua história de vida nunca me saiu da cabeça. Uma senhora por volta dos setenta anos, víúva, sem filhos, moradora de um pequeno apartamento no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro.

Contou-nos que teve uma filha, médica, bem sucedida, sua única filha que um dia foi roubada da vida por um câncer. Muito nos consternou a história de sua filha e o altruísmo dos fatos narrados.

Determinado dia foi diagnosticado um câncer em estado avançado que pouco tempo lhe daria de vida. Afim de poupar sua mãe, guardou em segredo seu infortúnio, e viajou para o exterior para morrer bem longe de sua mãe afim de evitar que ela sofresse sua dor.

A morte lhe roubara o marido e agora terminara de roubar sua filha. Nos relatou esse fato com um olhar sereno e um rosto vincado de tristeza e solidão. O esvair da familia, o silencio que ocupa a casa e as cadeiras vazias dos familiares que ali viviam hoje ocupam certamente seus sonhos por onde eles a visitam.

Poderiamos dizer que a vida de Lúcia estava destruida e acabada certo? Não, absolutamente não. Lucia começaria sua segunda vida. Para algumas pessoas as perdas podem significar o fim de tudo, o desencanto, a depressão e o esperar da própria morte. Para outras, o fim pode ser o começo de outra vida na mesma vida. E Lúcia ressurgiria de suas cinzas.

Continuando o seu relato, nos contou como foi o recomeço. Um certo dia, uma amiga sugeriu que ela fosse a um atelier de um conhecido para aprender a pintar e assim distrair sua cabeça. Aceitou de pronto o convite e foi até o atelier para se distrair pois nunca pensara sequer pintar qualquer coisa. Com os instrumentos nas mãos começou a rabiscar qualquer coisa na tela o que em determinado momento chamou a atenção do professor.

Voce tem um traço bonito e um jeito para pintar surpreendente. Voce já pintou alguma vez?

Não disse ela. Nunca tive muito interesse nisso.

Pois voce deveria investir e começar a pintar pois tens muito jeito para a pintura.

Lúcia então levou a sério o aprendizado e começou a pintar surpreendemente bem, criando a cada dia telas bem interessantes.

Um dia teve uma instigante idéia. Observando um grande número de idosos com suas bengalas, percebeu que poderia dar um pouco de arte e brilho naqueles pequenos companheiros de madeira. Por que não fazer um suporte de louça pintado para essas bengalas para deixá-las mais bonitas? E assim começou a criar os suportes e se tornou pioneira nessa idéia a ponto de chamar a atenção da televisão onde foi diversas vezes em programas de variedades mostrar e ensinar como pintar e emoldurar as bengalas.

Não contentando-se em apenas pintar suportes, Lúcia começou a pintar em azulejos temas espirituais a ponto de ser chamada para pintar em algumas igrejas e paróquias. Sua fama se espalhou por vários lugares e sua pintura começou a ser disputada para dar brilho aos mais diversos lugares. O exército do forte de copacana pediu a ela que pintasse uma parede de azulejos com a imagem de um santo padroeiro que me foge a memória agora.

Lúcia enfim ressurge para sua vida. Há anos viveu para sua familia, seu marido e sua filha. Dentro dela, guardados os mais belos quadros e uma vida colorida. Carregou consigo a saudade e a ausência dos seus queridos para um dia ressurgir para o mundo através das suas pinturas em louças e azulejos.

Lúcia é uma liçao de vida que nos mostra a possibilidade do renascimento. Quando tudo parece ser o fim pode também ser o começo.

Nunca mais ví Lúcia sendo que este relato ouvi dela há alguns anos atrás. Soube que já não está mais entre nós.

Mas hoje, através deste singelo texto, presto-lhe esta homenagem de vida para que entendamos que nem tudo é o fim e que dentro de nós dormita quem sabe vidas coloridas quem um dia poderão vir a tona.

Livingston Streck

segunda-feira, 14 de março de 2011

O PRESSÁGIO DO MONTE DAS OLIVEIRAS


Novamente o mundo se queda diante do terremoto no Japão. Especialistas são chamados à mídia para explicarem muitas vezes o inexplicável. Os jornais procuram dar o melhor ângulo da tragédia para impressionarem e aumentarem suas vendas pois a mídia precisa do espetáculo.

Cidadãos estupefatos se curvam diante das manchetes em busca de uma explicação, de um entendimento e da lógica da tragédia.

O articulista Clóvis Rossi da Folha de São Paulo em artigo escrito no domingo 13/3 chamado " Tsunamis e cismas " diz em seu texto que não há como fugir à sensação que a coisa está esquisita.

O fim do mundo sempre acompanhou a história do homem e nas catástrofes é recorrente a reflexão de um desfecho metafísico ou natural. Se Deus criou o mundo, penso que a solução do mesmo já está escrito em sua mesa. Para quem acha que o mundo surgiu por si mesmo, sem uma vontade, o mundo acabará por sí.

Lendo o livro " Ainda existe uma esperança " de Enrique Chaij, destaco um importante parágrafo ( pág. 7 ), que expõe a explosão demográfica do mundo, in verbis:

" No primeiro século da era cristã, a população do mundo oscilava entre 200 e 300 milhões. No século 17, chegou a 500 milhões. Em 1804, com o rápido crescimento demográfico, deu um salto para um bilhão. Em 1927, cravou 2 bilhões; em 1960, 3 bilhões; em 1974, 4 bilhões; em 1987, 5 bilhões; em 1999, 6 bilhões. Hoje, a população está beirando a casa de 7 bilhões. A estimativa é de que chegue a 8 bilhões em 2025, 9 bilhões em 2040 e 10 bilhões em 2060. Se o mundo levou 123 anos para ir de 1 bilhão a 2 bilhões, gastou somente 12 para ir de 5 a 6 bilhões, o mesmo tempo necessário para ir de 6 para 7 bilhões. "

Diante da bomba demográfica exposta pelos dados acima, pergunta-se: há solução para os problemas do mundo mediante este crescimento exponencial da população mundial?
Certa vez, após retirar-se do templo, Jesus Cristo foi cercado pelos seus discipulos que o indagaram sobre os sinais que haveria do fim do mundo.

O Mestre então os levou até o monte das Oliveiras e calmamente começou a pressagiar os fatos que haveriam de acontecer no futuro.

No livro bíblico de Mateus, capítulo 24, verso 7 o mestre diz aos discipulos que nação se levantaria contra nação, reino contra reino e haveria fome e terremotos em vários lugares.

Para quem trata a palavra bíblica como um livro mitológico é importante perceber a atualidade do que o mestre predisse numa época em que nem se quer havia terremotos.

Para a geologia os terremotos são derivados dos deslocamentos das placas tectonicas que ocorrem mais profusamente no circulo de fogo que abrange a bacia do pacífico, Japão, Filipinas, Indonésia e países menores.

Apesar da evolução tecnológica do homem e sua capacidade de previsão, a natureza tem aumentado sua fúria contra o homem deixando-o inerme e sem ação.

Há que se buscar o entendimento para os fatos que se sucedem no mundo para que saibamos qual o propósito da vida de cada um. Não sou dos mais otimistas em relação ao futuro pois sentei-me também na relva do monte das Oliveiras.

Apesar dos presságios sombrios apontados pelo Mestre Jesus no livro de Mateus, ele diz também que aquele que perseverar até o fim será salvo.

A lição deixada para nós é que a perseverança salva. O mundo é sombrio mas o perseverar prevalecerá diante de nós enquanto tivermos esperança.

Livingston Streck

sábado, 5 de março de 2011

DEUS EXISTE?


O grande dilema humano talvez seja crer ou não na existência de um Deus criador. É recorrente a pergunta e já ouvi mais de uma vez que, se Deus existe, por que ele não aparece entre nós através de uma forma humana ou divina?

O grande líder Moisés do velho testamento teve a curiosidade e a ousadia de querer ver o rosto de Deus e segundo o relato da história bíblica, Deus se permitiu aparecer de costas, pois se aparecesse de frente, Moisés morreria na hora.

Jó, no seu infortúnio e resignação, chegou a dizer que antes ele apenas tinha ouvido falar de Deus mas agora ele o via.

Um dia perguntaram a mim se eu acreditava na existência de Deus e quais argumentos eu teria para me convencer de que Deus existe.

Após pensar alguns instantes disse que Deus não era uma teoria a ser explicada. Deus, no meu entendimento, é uma experiência pessoal e intransferível a ser vivenciada. Há pessoas que vêem Deus através de um milagre. Outros o vêem na natureza. Já vi Deus numa flor e também nos gatinhos. Deus pôs todo o seu humor nos gatos.

Deus é uma sensação de bem-estar espiritual; é uma sensação de bem-estar material; Deus é suprimento; é afago; Deus é uma sensação de paz, de refúgio e de completude.

Deus é a infinitude da natureza que nossos olhos captam superficialmente. Deus é uma estrela que olha e vela. Deus é um arrepio e um sorriso. É uma lágrima de conforto e saudade.

Deus é um leito de nuvens brancas que vemos pela janela do avião. Deus é um sustentar da alma e do espírito.

Deus é um rosto anônimo que trafega. Deus está na semelhança do homem mais comum e insignificante.

Deus é um diálogo interior. Um sussurro, uma brisa, um filete ardente de sol.

Deus não é uma propriedade, nem é medo, nem é luxo.

Deus é uma essência de Justiça e uma experiência pessoal que só existe se cada um deixar ele viver dentro de sí.

Caso contrário, Deus não existe.

Livingston Streck

domingo, 30 de janeiro de 2011

O GRITO DE HABACUQUE


Quando vemos o mundo se esfacelando em terror e violência, quando a natureza despeja sua fúria e destrói milhares de pessoas, surge uma pergunta básica diante da estupefação humana. Onde está Deus?

Um profeta-filósofo bíblico chamado Habacuque também proferiu esta mesma pergunta mas de forma bem mais ousada. Bradou ele o seguinte: " Até quando clamarei, e não escutarás, Senhor? Ou gritarei a ti: Violência! E não salvarás? " Habacuque 1: 2

É como se hoje gritassemos a Deus cobrando-o de tanta violência, miséria e fome no mundo.

Habacuque, diante da opressão do povo de Judá, não entendeu por que Deus permitiu que um povo escolhido por ele agisse com tanta opressão e injustiça em relação ao seu povo.

Deus então não deixou o ousado profeta sem resposta. Disse a ele que os Caldeus, considerado à epoca um povo bárbaro e feroz, que com sua permissão, iria destruir o povo de Judá e toda a sua injustiça.

Habacuque acha pesado demais a solução de Deus para os problemas levantados por ele. Esperava uma solução mais leve do que ver seu povo sendo trucidado pelos babilônios. Mas reconhece que no final haveria justiça na sua reinvidicação.

Ninguém em sã consciência acha que o mundo terá algum jeito. Tudo está de mal a pior numa crescente decadência humana, moral, espiritual e material.

Famílias inteiras choram seus mortos, a perda de suas casas, seus objetos e a fome em muitos lugares é devastadora. Na africa, a cada 5 segundos morre uma criança de fome.

Os pais do Alexandre, um jovem de apenas 28 anos, o estão enterrando hoje em consequencia de um cancer devastador. Quem sabe devem estar se perguntado aos berros e em lágrimas onde está Deus? Por que um jovem engenheiro com uma vida longa pela frente, que poderia dar netos, dividir muitas alegrias e vitórias, está descendo a sepultura diante da estupidez da morte?

Tal como Habacuque eles também tem o direito de bradarem a Deus a sua dor. Podem perguntar a Deus até quando isso ainda será permitido.

Numa das respostas que Deus concede ao profeta ele diz que " o justo viverá pela fé ". A fé é a resposta para o absurdo e a falta de lógica humana. Por isso que a solução do mundo não será pelo caminho da lógica mas pelo absurdo de Deus. Há que se ter fé para sobreviver.

Habacuque nos dá uma lição de resignação no seu livro. Afronta Deus, discute com Deus, se impacienta com Deus mas o ouve. E num tom de humildade diz: " Eu me colocarei sobre a minha torre de vigia; ficarei sobre a fortaleza e vigiarei, para ver o que ele me dirá e o que terei como resposta à minha queixa." Habacuque 2: 2

Podemos não ter respostas para muitas coisas hoje. Podemos chorar com a nossa dor ou a dor alheia pelas situações que nos acometem. Mas creio que pela fé nada fica ou ficará sem resposta.

E concluo com as palavras de Habacuque quando Deus por fim respondeu as suas indignações: " Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas videiras; ainda que o produto da oliveira falhe, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado do estábulo e não haja gado nos currais; mesmo assim, me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação." Habacuque 3:17,18


Livingston Streck

sábado, 15 de janeiro de 2011

OS MORTOS DO RIO DE JANEIRO E O VESÚVIO DE POMPÉIA



Salvo engano, ano passado houve a tragédia de Angra dos Reis onde a chuva ceifou a vida de centenas de pessoas. Hoje os mortos estão na serra carioca onde já morreram por volta de 600 pessoas, tragédia esta considerada a pior de todos os tempos no país.

A tragédia que ora se repete ocorrerá provalvemente nas chuvas de janeiro do ano que vem. Novas mortes, novos deslizamentos e novos soterramentos. Isto tudo por que há um roteiro escrito da tragédia.

O descaso do poder público com as populações que vivem em áreas de risco, a falta de uma cultura de prevenção e evacuação da população antecipando-se às chuvas e possíveis deslizamentos, são os elementos necessários para o cenário trágico da dor.

Os vivos choram os seus mortos na tv. O espetáculo da barbárie se presta a alavancar audiência como a um Big Brother do terror.

A chuva torrencial que caiu no Rio de Janeiro me fez lembrar das cinzas do Vesúvio em Pompéia. O vulcão do Rio de Janeiro eclodiu do céu ao contrário de Pompéia.

No dia 24 de agosto de 79 d.C., os habitantes de Pompéia foram surprendidos quase que instantaneamente pelas cinzas do Vesúvio quando fugiam. Diz a historia que a maioria conseguiu escapar mas os que morreram ficaram petrificados.

Um relato interessante descoberto pelos arqueólogos diz que os habitantes que morreram ao tentar fugir, ficaram solidificados com os objetos nas mãos durante a fuga. Puseram os objetos em primeiro plano e suas vidas em segundo.

Os mortos do Rio de Janeiro temiam deixar suas casas e objetos. Levaram anos para adquirir suas coisas e não suportaram ter que deixar suas casas para salvarem suas vidas.

Há um Vesúvio invisivel que se esconde nas nuvens do nosso país. Cada ano uma Pompéia renasce nas serras, favelas e periferia das grandes cidades.

O que difere o Vesúvio de Pompéia com a serra do Rio de Janeiro é que os habitantes de Pompéia tinham conhecimento de que as lavas do vulcão estavam extintas. Não sabiam que corriam perigo.

A tragédia do Rio de Janeiro é recorrente. Sabe-se com um ano de antecedencia que pessoas irão morrer soterradas.

O nosso Vesúvio é feito de descaso político, abandono social e ocupação desordenada do solo.

Enquanto nos preparamos para o próximo carnaval as lavas da tragédia brasileira vão se recompondo para o próximo ano.

Livingston Streck

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ABRAÃO, A FÉ E A LOUCURA

A história bíblica de Abraão é uma das mais contundentes para mim quando colocamos o relato dentro da esfera humana e pensamos na sua contemporaneidade.

Tudo em Abraão foge a lógica humana. Já em idade avançada, tanto ele como sua esposa Sara, conformam-se em não poder ter filhos pois Sara é estéril.

Mas eis que Deus, através da palavra, se manifesta a Abraão dizendo: " olha agora para o céu e conta as estrelas, se é que consegue contá-las; e acrescentou: Assim será a tua descendência." ( Gen. 15:5 )

Abraão se vê diante da loucura e da impossibilidade humana mas mesmo assim acabou acreditando na viabilidade da promessa.

O patriarca bíblico é conhecido como o pai da fé, o homem de sujeição incondicional que se permitiu ultrapassar toda a lógica humana.

Era a fé de Abraão um sentimento inerente a sua personalidade? Não, Abraão era lógico, racional e prático. A fé não lhe era muito conhecida. Abraão era fraco e mentiroso.

Dois episódios distintos comprovam a sua falta de fé e mentira. Quando Deus promete dar a ele uma descendência, era através de um filho seu gerado por sua mulher. Mas tanto Sara e Abraão não estavam certos de como esse filho viria em tão adiantada idade que resolveram a questão usando a sua serva que acabou lhe gerando um filho chamado Ismael.

Um segundo episódio aconteceu quando Abraão estava em viagem com sua família. Sua mulher, por ser tão bela, acabou sendo alvo do rei Abimeleque que a tomou para sí pois Abraão havia mentido dizendo que Sara era sua irmã pois temeu ser escravo do rei se tivesse dito que ela era sua mulher. ( Gen.20:2 )

Esta história de cunho contundente, nos mostra o processo de depuração do ser humano. É possível com este aprendizado, acreditar que se pode tirar o melhor do pior. Um homem fraco, sem fé e vacilante, recebe da história a alcunha de pai da fé.

Quando Deus pede que ele sacrifique seu único filho no monte Moriá, Abraão está depurado. Obedece com temor e tremor segundo as palavras do filosófo Sören Kierkegaard.

Abraão dá ao mundo a lição de que não há lógica na fé mas solução e mudança nos problemas humanos a despeito de nossa tão limitada racionalidade.

Livingston Streck

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

VIDA BREVE

Para que viemos ao mundo? Alguém já se perguntou por que nasceu? Qual o objetivo e qual propósito de estarmos vivendo e interagindo com nosso próximo?

A medida que vamos tomando consciencia do existir, construimos nossa realidade e nos propomos a adiar nosso fim através dos sonhos e desejos.

Elencamos uma lista de desejos e aos poucos vamos concretizando, construindo, nos aprimorando e sendo bem sucedidos nas lutas e realizações.

Alexandre também conquistou seus sonhos e desejos. Formou-se em engenharia quimica, estudou várias línguas, conheceu o mundo a trabalho e tinha uma fome enorme de viver e conquistar.

Até o dia em que sua voz apareceu afônica e o médico diagnosticou um estresse decorrente do trabalho.

Ledo engano. Diagnóstico errado. Após novos exames foi lhe detectado um cancêr no pulmão em metástase.

Alexandre tem apenas 28 anos de idade. Encontra-se na UTI e respira por aparelhos. Seu corpo luta intensamente pela vida mesmo em estado de coma. Resiste a morte a cada dia. A sua vontade de viver está tão impregnada em suas células que elas se recusam morrer e encerrar a vida.

Alexandre não sairá mais da UTI para a vida, para os seus sonhos e atribuições. Infelizmente sua vida está sendo concluida brevemente.

Filho único, deixará seus pais órfãos. Sua mãe não tem coragem de vê-lo na UTI. Não admite perder seu filho tão jovem. Fugir da realidade é onde ela busca forças para tornar a vida um mero pesadelo. Espera acordar e ver seu filho entrando pela porta sorridente.

A vida é silenciosa e guarda em cada um o seu segredo. Seu fim nunca é revelado. O que ela pede é que cada um valorize o seu momento. A consciencia de viver o seu melhor.

Para a morte não interessa mais o sorriso, a flor e o perdão.

Ernesto Sábato, escritor argentino diz em uma frase que: " a vida é tão curta e o ofício de viver tão dificil que, quando começamos a aprendê-lo, temos de morrer."

Realmente a vida é curta como disse Sábato, mas cabe nela uma centelha da eternidade.

Livingston Streck