domingo, 17 de abril de 2011

A OMISSÃO E O ABANDONO DOS FILHOS POR PARTE DO NÃO-GUARDIÃO DIANTE DA SEPARAÇÃO CONJUGAL


I - Introdução

O trabalho a seguir tem como objetivo apontar algumas questões oriundas da omissão e do abandono do não-guardião em relação aos filhos quando da dissolução do casamento ou da união estável.

Devido a facilitação do divórcio regulamentado pela Emenda Constitucional n.° 66 de 13 de julho de 2010, entendemos que aumentará substancialmente o número de casais que irão bater as portas da justiça para buscar a dissolução do casamento e do companheirismo denominado união estável.

Diante desta constatação, preocupa-me o número de filhos que irão presenciar o rompimento e o fim da normalidade dos seus lares, os traumas que surgirão decorrentes da separação dos pais e o mais grave de tudo, a omissão e o abandono dos filhos que normalmente o não-guardião provoca por achar que não estando na companhia dos mesmos, também não terá a obrigação de acompanhá-los no seu crescimento e nas suas dificuldades. Seguirá o que for convencionado na petição e provavelmente atenderá o básico que o juíz determinar.

Recentemente uma pessoa me perguntou se era possível requerer a devolução do pagamento de alimentos pagos a um filho maior de idade. Evidente que pelo princípio da dignidade humana e da irrepetibilidade, tal devolução é incabível mesmo a lei não tratando abertamente sobre esta possibilidade. Os alimentos extinguem-se em si.

Tive conhecimento de outro fato onde uma mãe foi ameaçada pelo cônjuge não-guardião em pedir a revisão dos alimentos acordados para os três filhos com o intuito de atingi-la ameaçando desprover do amparo financeiro a prole do casal.

Casos como estes revelam uma frieza paterna em relação aos filhos onde os mesmos ficam muitas vezes sob a responsabilidade da mãe que nem sempre consegue dar a atenção devida por ter que trabalhar em tempo integral. Não conseguem acompanhar o desempenho dos filhos na escola, tem poucas horas de lazer e não suprem a ausência da figura paterna por motivos óbvios.

Qual é a obrigação do cônjuge não-guardião diante da separação? O que diz a lei sobre a responsabilidade do pai? O instituto da guarda compartilhada veio para solucionar e equilibrar o pátrio poder nos interesses dos menores? É o que veremos na sequência do texto.

II - A responsabilidade do cônjuge não-guardião

A dissolução do casamento não dissolve o parentesco. Os filhos continuam sendo o resultado da união que os gerou. Portanto, a lei teve o cuidado de restabelecer o equilíbrio e ocupar o vazio deixado pela ausência do pai ou da mãe para amenizar e atenuar as consequências frustrantes do término do casamento.

O Código Civil deixa claro qual deve ser a relação entre pais e filhos quando da separação. Em seu artigo 1.632 assim está explícito:

" A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. "

Segundo o entendimento da lei a única alteração que ocorre é a falta da companhia constante dos filhos que deixa de existir pelo simples fato da ruptura do casal. E tão somente isto. O amor, a atenção, a preocupação e a ligação afetivas devem ser mantidas diante das condições existentes para que a criança não interprete o afastamento do seu genitor ou genitora como um rompimento que atinja de modo central o afeto. É o afeto a grande preocupação da lei quando se trata de crianças em formação psico-social.

O parágrafo 3.° do artigo 1.583 do Código Civil impõe ao pai ou a mãe o seguinte:

" A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos."

A parte grifada do parágrafo acima deu ensejo ao instituto da guarda compartilhada que veremos no tópico abaixo.

No que concerne a responsabilidade do não-guardião o Código Civil robustece a atribuição do pai ou da mãe no seguinte. Diz o artigo 1.589 in verbis:

" O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. "

A parte grifada deste artigo reforça a idéia da importância que é a companhia dos pais não-guardiões com os filhos, e principalmente a sua preocupação em fiscalizar a sua manutenção e o acompanhamento com a educação. A lei certamente pensou no quanto uma separação pode afetar o desempenho escolar das crianças, as dificuldades no aprendizado escrito e verbal, a baixa pontuação de notas que podem ocorrer pelos distúrbios ocasionados pela separação.

Neste sentido a lei é clara e obriga o pai ou a mãe a suprir esta lacuna afim de não prejudicar o desenvolvimento da criança.

O ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente ) também teve a preocupação de legislar nesse sentido de onde se lê o seguinte no artigo 22 da lei n.° 8.069/1990:

" Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir as determinações judiciais. "

Por fim, a Constituição Federal principia de forma ampla o cuidado que deve os mais variados segmentos da sociedade em salvaguardar os interesses das crianças e adolescentes. No seu artigo 227 ela assim diz:

" É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. "

Podemos extrair dos artigos de lei expostos acima a obrigatoriedade dos pais principalmente os não-guardiões, o dever e a responsabilidade de prover o cuidado, a manutenção e principalmente o aspecto educação que é a base e o pilar que formará o homem para a sociedade.

Como a mulher quase sempre detém a guarda dos filhos, o homem é, regra geral, o não-guardião dos filhos. Na maioria das vezes ele se atém as determinações judiciais que é a visita e a companhia por pelo menos 34 horas quinzenalmente. É notório também que muitos pais não respeitam esta imposição do juiz e tratam com desleixo esta obrigação tendo a companhia dos filhos por algumas horas devolvendo-os a mãe antes mesmo do anoitecer.

Atitudes assim demonstram mais uma obrigação judicial de estar com os filhos do que a vontade intrínseca movida pelo afeto e amor aos filhos. Acho profundamente lamentável o pai que só cumpre determinadas obrigações porque a justiça às impõe.

III - O instituto da guarda compartilhada

A guarda compartilhada é o novo instituto da família regulamentada pela Lei n.° 11.698 de 2008 que veio trazer uma aproximação maior do não-guardião à convivência com os filhos. O Código Civil no seu art. 1.583, parágrafo 1.° assim dispõe sobre o instituto:

" A guarda será unilateral ou compartilhada. "

Parágrafo 1.° - " Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua ( art. 1584, par. 5.° ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. "

A guarda compartilhada veio para suprir dois aspectos bastante comprometidos na separação. O interesse da criança que as vezes fica em segundo plano e a forte carga emocional e física que sobrecarrega a mulher. A lei, no seu intento, procurou dividir de forma mais igualitária as responsabilidades que a muito pertencem a mulher.

Ao falarmos de convivência não estamos meramente falando das poucas horas que os pais passam na companhia dos filhos, geralmente no final de semana, mas de uma atuação mais intensa nas decisões dos filhos tais como acompanhamento ao médico e psicólogo, comparecimento as reuniões escolares e viagens, apresentações de peças na escola entre outras atividades.

Outro aspecto observado pelo legislador foi o impacto psicológico da ruptura da família e do cônjuge pelo olhar da criança. Em artigo publicado pela Revista Visão Jurídica N.° 55 á pág. 65, a articulista Alexandra Ullmann expõe o seguinte raciocínio sobre o impacto temporal na mente da criança. Diz ela:

" Diante desta nova perspectiva, uma convivência quinzenal não comporta a participação ativa que hoje pretendem os genitores na vida dos filhos. Sem contar que as crianças, principalmente as menores, não tem percepção exata do tempo transcorrido entre o aparecer e o desaparecer do genitor quinzenalmente. Para elas, o entendimento é de surgimento e abandono de forma repetida. "

Continua ela, na mesma pág., outro raciocínio agora sobre a perda da parentalidade:

" Ambos os genitores são necessários à formação completa da personalidade de uma criança.
A guarda compartilhada é uma forma de reforçar a parentalidade, valorizando de forma diferenciada, mas com os mesmos pesos e medidas, as funções da maternidade e da paternidade. "


Nos dois parágrafos expostos acima a articulista destaca a suma importância da presença do pai ou da mãe não-guardiões na vida da criança afim de atenuar essa lacuna imposta pela perecibilidade das relações conjugais. O instituto procura aproximar novamente o pai ou a mãe junto à criança para não comprometer os laços consanguíneos.

IV - Conclusão

Em boa hora a legislação brasileira procurou preencher as lacunas e atender os princípios da dignidade humana expostos na Constituição Federal ( art. 1.° inc. III ) afim de defender os interesses das crianças e adolescentes. Temos no ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente ) uma das legislações mais completas do mundo que abrange de forma ampla a proteção delas. Por outro lado, ainda vemos inúmeras crianças que não tem na legislação o suporte adequado para sua proteção. São exploradas nos faróis das avenidas por seus responsáveis, dormem debaixo de marquises e são vítimas das drogas e da exploração sexual adulta.

Por outro lado vemos pais irresponsáveis que não dedicam verdadeira atenção, carinho e afeto aos seus filhos e que coercitivamente são obrigados pela justiça a cumprirem suas obrigações. Muitas dessas crianças, por vezes, são objetos nas mãos dos pais onde são jogadas um contra o outro para atingirem suas disputas, diferenças e mágoas. A lei trata como alienação parental jogar o filho contra o cônjuge.

Espero que a guarda compartilhada cumpra com o papel de resgatar a companhia dos pais com seus filhos que não mais convivem sob o mesmo teto. Que as relações sejam verdadeiramente mantidas pelo afeto e que não seja necessário a justiça obrigar os pais a estarem em companhia dos seus filhos. Que os novos rumos da família não comprometam o afeto e o amor que deve ser a base consistente de toda uma sociedade que busque a paz e o humanismo.

Livingston Streck

Bacharel em Direito

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