segunda-feira, 9 de maio de 2011

O piano, a pedra e a redenção


Lembro subitamente de dois filmes que assisti onde o piano é o grande protagonista de ambos os filmes. O primeiro filme chama-se “ O piano “ de Jane Campion e o segundo “ O pianista “ de Roman Polanski.

“ O piano “ me sensibilizou pela ligação do instrumento com a mulher que possuía uma deficiência de comunicação e passou a usar a música para interagir. Como a música é um meio de comunicação pouco entendida, no filme, ela sofre perseguição do seu marido por não entender a necessidade de fazer do piano o seu prolongamento. O filme tem um desdobramento passional, lírico e redentor.

“O pianista” retrata um personagem judeu que habita o gueto de Varsóvia e sofre a perseguição dos nazistas juntamente com sua família. Na fuga, o personagem, um brilhante pianista, esconde-se em meio a uma casa abandonada e de repente é flagrado por um soldado alemão que o indaga e deseja saber quem ele é, o que faz e por que está se escondendo. O pianista então, já debilitado, com barba por fazer, sujo e sem comer há dias, é levado pelo soldado nazista a um compartimento que havia um piano e diz: toque alguma coisa. O piano o redime, a música liga soldado e fugitivo.

No Brasil temos um grande pianista chamado Nelson Freire. Em tempo foi produzido pelo documentarista João Moreira Salles um belíssimo documentário sobre sua vida que não me canso de assistir. Nelson Freire está entre os cinco maiores pianistas de todos os tempos.

No documentário vemos a intimidade quase hermética desse pianista que se comunica mais pelos dedos do que pela própria boca. Um homem de silêncios, de andar nervoso e uma introspecção profunda. Em determinado momento, no documentário, Nelson se recusa a ensaiar em um piano por não ter ido com a cara dele. “ Não gosto dele não adianta, “ disse ele.

Nelson executando o concerto nº 2 de Brahms é um momento de êxtase ouvirmos e vermos seus dedos deslizando sobre o teclado. A certa altura seus dedos parecem não tocar o piano e a música se auto executa como um corpo independente.

Se Nelson estivesse numa ilha com apenas uma pedra, creio que seus dedos tirariam da pedra esse concerto de Brahms. E a música por vezes não pode ser a própria pedra? Schopenhauer afirmou certa vez que ” a arquitetura é música congelada.”

No filme o piano, a personagem faz do instrumento um órgão do próprio corpo e encontra uma forma de viver e amar. O piano a redime. Também ocorre no filme O pianista a redenção do personagem. O piano salva sua vida.

Pode o piano salvar o mundo? Pode a música resgatar o homem da crueldade e da obscuridade? Leio reportagem que os Estados Unidos já gastou mais de 10 trilhões de dólares em uma década combatendo o terrorismo. Num devaneio imagino cada dólar sendo gasto com música e imagino esse mundo infestado de pianos. No lugar de metralhadoras e tanques seria bem melhor pianos e para cada piano quem sabe um Nelson Freire para nos resgatar e nos redimir das trevas que entrincheira mais o homem nessa busca desenfreada do vazio e do nada.

Livingston Streck

Um comentário:

  1. Parabéns pelo seu texto,enfim, suas idéias. Serei sua seguidora de hoje em diante.
    Abraços
    Suzana

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