sábado, 19 de março de 2011

A SEGUNDA VIDA DE LÚCIA DUARTE


Conheci Lúcia Duarte a alguns anos atrás num Reveillon em Copacabana, em seu apartamento, e sua história de vida nunca me saiu da cabeça. Uma senhora por volta dos setenta anos, víúva, sem filhos, moradora de um pequeno apartamento no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro.

Contou-nos que teve uma filha, médica, bem sucedida, sua única filha que um dia foi roubada da vida por um câncer. Muito nos consternou a história de sua filha e o altruísmo dos fatos narrados.

Determinado dia foi diagnosticado um câncer em estado avançado que pouco tempo lhe daria de vida. Afim de poupar sua mãe, guardou em segredo seu infortúnio, e viajou para o exterior para morrer bem longe de sua mãe afim de evitar que ela sofresse sua dor.

A morte lhe roubara o marido e agora terminara de roubar sua filha. Nos relatou esse fato com um olhar sereno e um rosto vincado de tristeza e solidão. O esvair da familia, o silencio que ocupa a casa e as cadeiras vazias dos familiares que ali viviam hoje ocupam certamente seus sonhos por onde eles a visitam.

Poderiamos dizer que a vida de Lúcia estava destruida e acabada certo? Não, absolutamente não. Lucia começaria sua segunda vida. Para algumas pessoas as perdas podem significar o fim de tudo, o desencanto, a depressão e o esperar da própria morte. Para outras, o fim pode ser o começo de outra vida na mesma vida. E Lúcia ressurgiria de suas cinzas.

Continuando o seu relato, nos contou como foi o recomeço. Um certo dia, uma amiga sugeriu que ela fosse a um atelier de um conhecido para aprender a pintar e assim distrair sua cabeça. Aceitou de pronto o convite e foi até o atelier para se distrair pois nunca pensara sequer pintar qualquer coisa. Com os instrumentos nas mãos começou a rabiscar qualquer coisa na tela o que em determinado momento chamou a atenção do professor.

Voce tem um traço bonito e um jeito para pintar surpreendente. Voce já pintou alguma vez?

Não disse ela. Nunca tive muito interesse nisso.

Pois voce deveria investir e começar a pintar pois tens muito jeito para a pintura.

Lúcia então levou a sério o aprendizado e começou a pintar surpreendemente bem, criando a cada dia telas bem interessantes.

Um dia teve uma instigante idéia. Observando um grande número de idosos com suas bengalas, percebeu que poderia dar um pouco de arte e brilho naqueles pequenos companheiros de madeira. Por que não fazer um suporte de louça pintado para essas bengalas para deixá-las mais bonitas? E assim começou a criar os suportes e se tornou pioneira nessa idéia a ponto de chamar a atenção da televisão onde foi diversas vezes em programas de variedades mostrar e ensinar como pintar e emoldurar as bengalas.

Não contentando-se em apenas pintar suportes, Lúcia começou a pintar em azulejos temas espirituais a ponto de ser chamada para pintar em algumas igrejas e paróquias. Sua fama se espalhou por vários lugares e sua pintura começou a ser disputada para dar brilho aos mais diversos lugares. O exército do forte de copacana pediu a ela que pintasse uma parede de azulejos com a imagem de um santo padroeiro que me foge a memória agora.

Lúcia enfim ressurge para sua vida. Há anos viveu para sua familia, seu marido e sua filha. Dentro dela, guardados os mais belos quadros e uma vida colorida. Carregou consigo a saudade e a ausência dos seus queridos para um dia ressurgir para o mundo através das suas pinturas em louças e azulejos.

Lúcia é uma liçao de vida que nos mostra a possibilidade do renascimento. Quando tudo parece ser o fim pode também ser o começo.

Nunca mais ví Lúcia sendo que este relato ouvi dela há alguns anos atrás. Soube que já não está mais entre nós.

Mas hoje, através deste singelo texto, presto-lhe esta homenagem de vida para que entendamos que nem tudo é o fim e que dentro de nós dormita quem sabe vidas coloridas quem um dia poderão vir a tona.

Livingston Streck

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