quarta-feira, 22 de julho de 2009

O HOMEM DUPLICADO

Análise sobre a leitura do livro


Acabo de ler o livro O homem duplicado de José Saramago, grande escritor ficcionista português, autor de vários clássicos como Ensaio sobre a cegueira, As intermitências da morte e tantos outros títulos. Saramago trabalha com uma literatura surrealista extremamente ficcional para, de forma análoga, nos trazer uma reflexão sobre a realidade. O homem duplicado fala de transferência, do auto abandono, da perda de identidade total sobre seus atos, dos excessos contidos no tudo e no nada. Em determinado momento o autor escreve: “ o melhor caminho para uma desculpabilização universal é chegar à conclusão de que, porque toda a gente tem culpas, ninguém é culpado, se calhar não há nada que possamos fazer, são os problemas do mundo, disse Tertuliano Máximo Afonso” personagem principal do livro. Num momento de crise política e moral em nosso país, é bem aplicável o discurso do personagem através do autor. Se o congresso nacional é corrupto e está afundado em lama é porque a sociedade não presta, é porque não prestamos.

O livro traz o relato de um professor de história que passando por uma crise pessoal e vivendo um tédio em decorrência de sua rotina, acaba, por sugestão de um amigo de trabalho, por assistir determinado filme sugerido pelo amigo. O mesmo vai até a locadora e pega o filme para assistir em casa. Vê o filme todo e o acha extremamente tedioso sem nada que viesse a acrescentar a sua vida. vai para a cama dormir mas não consegue pegar no sono. Derepente, num sobressalto, se dirige até a sala, pega a fita e se poe a assistir novamente o vídeo. Começa aqui o seu problema. Derepente ele se vê no filme através de Daniel Santa Clara, ator secundário do filme. São iguais, mesmo rosto, mesmo corpo e mesma voz. Tertuliano Máximo Afonso inicia seu desesperado intento de encontrar o seu igual.

O livro se desenrola numa insana busca de encontros, do outro e de sí mesmo, num emaranhando de oportunismos e das maledicências que surgem no homem quando encontram o terreno da moral estéril onde aflora vertiginosamente dentro do ser, o que há de pior em cada um. Em determinado momento o personagem Tertuliano diz: “ quando o Antonio Claro entrar amanhã em casa vai ter a maior dificuldades para explicar à mulher como foi que conseguiu dormir com ela e ao mesmo tempo estar a trabalhar fora da cidade, Não imaginei que fosses capaz de tanto, é um plano absolutamente diabólico, Humano, meu caro, simplesmente humano, o diabo não faz planos, aliás, se os homens fossem bons, ele nem existiria, “ ( grifo original do autor lembrando que José Saramago não costuma pontuar suas frases). Na guerra, os filhos da pátria, muitos de formação religiosa ortodoxa, se deixam levar pela irracionalidade e se entregam à pratica do estupro às mulheres do seu “inimigo”. Está a moral dentro ou fora do homem? Kant afirmou que a lei está dentro do homem. A moral está dentro do homem, basta ouvi-la.

A ficção de desenrola para um final surpreendente. Os dois personagens do livro iguais como se fossem gêmeos mas segundo o que eles mesmo disseram eram mais do que gêmeos pois eram idênticos até nas cicatrizes, um deles então afirmou: “ se somos iguais um de nós está sobrando então.”

Interessante literatura onde nós leitores-personagens atravessamos a história numa cumplicidade com todos os envolvidos. Ora pegamos a voz de um, ora a voz de outro. O leitor, ao ler o livro, não deixa de criar um teatro particular para dar vida ao texto. Todos os personagens borbulham dentro da gente enquanto o livro estiver aberto. Ao concluirmos a leitura fecha-se a cortina. A história precisa encontrar a realidade, precisa alcançar os fatos e a verdade. É o que tentei fazer com O homem duplicado. Inserir as minhas verdades na ficção. Inserir a ficção nas minhas verdades. Quem sabe poder ver a extensão da minha maldade. Nossas maldades que dormem profundamente no mais recôndito do ser. Que podem vir à tona quando encontram o terreno estéril da moral.


Livingston Streck

terça-feira, 21 de julho de 2009

O LEILÃO DA VIRGINDADE

Dizem que a verdadeira noticia é aquela que foge da sua normalidade. Um cachorro a abanar o rabo ou um elefante tomando água jamais serão notícia. Agora, um rabo a abanar um cachorro ou um elefante voando ai sim serão disputados como furo jornalístico e entupirão as primeiras páginas da mídia em geral.

Noticia extraído do site Yahoo notícias, 21/07/09, informa que uma mulher de 28 anos, equatoriana que mora em Valencia, na Espanha, está leiloando sua virgindade no intuito de obter recursos para custear um tratamento de saúde da sua mãe.

Alguns candidatos já se credenciaram conforme o jornal digital El Mundo onde os primeiros lances já foram propostos. O lance inicial foi estabelecido em 15.000 euros ( 21.000 dólares ) e a primeira oferta substancial foi de 2,3 milhões de euros ( 3,2 milhões de dólares rejeitado pela detentora da membrana virginal que recusou a oferta por que o interessado desejou o desmembramento da relação. Com receio de se apaixonar e vir a amar a leiloeira, impôs como clausula adicional, novos encontros e quem sabe um pedido de casamento.

Estabelece ela ainda em seu contrato que o vencedor deverá se abster das devidas preliminares, caricias, beijos na boca e outras atitudes que normalmente acompanham o devido ato. Num exercício de reflexão é possível imaginar o sublime ato que está a frente da existência e é a razão da proliferação da humanidade, ser desprovida de toda nossa engenhosidade romântica e erótica onde não cabem as flores, o vinho, os sais na banheira, a despudorada lingerie minúscula em preto ou vermelho, as cores mais adequadas ao ato, as velas a meia quase luz em sombra, a música sussurrada e instrumentalizada por um Kenny G, o olhar, o simples olhar do silencio mas em palavras. Não. Nada disso poderá compor o contrato do leilão da inflacionada membrana.

Posso imaginar então as partes ( o vencedor do leilão e a quase ex-virgem ) juntamente com seus advogados em uma sala discutindo as cláusulas do contrato. O advogado da equatoriana já com seu contrato redigido lendo as cláusulas uma a uma ao advogado e ao cliente:

Cláusula n. 1 – o fato deve se dar em ambiente que não propicie o erotismo de preferência em um quarto de paredes brancas com uma cama sóbria, simples sem odores ou perfumes que venham despertar qualquer atitude que invalide este contrato.

Cláusula n. 2 – estão proibidas palavras que insinuem o ato ser satisfatório, olhares que demorem mais do que 3 segundos, o toque das mãos em ambos os corpos exceto os acidentais provenientes da formação da posição única em que será realizado o ato.

Cláusula n. 3 – o felizardo vencedor do leilão terá 15 minutos para chegar ao ápice do ato ( ejacular de forma moderada sem estardalhaço devidamente composto do preservativo ), não havendo nenhuma chance de segunda tentativa se nos 15 minutos concedidos o cliente não obter o resultado. Será dado como finalizado e posto a termo o contrato ao término do tempo estabelecido.

Cláusula n. 4 – deverá o adquirente da membrana virginal rompê-lo com a maior suavidade possível, evitando todo o desconforto à adquirida sendo que a mesma poderá interromper o ato chamando a segurança que ficará a disposição da quase virgem se ela sofrer algum ato violento que venha a lhe proporcionar dor, sangramento proveniente de mau uso ou imperícia na execução do ato. Neste caso se dará como concluído o leilão.

Cláusula n. 5 – estão excluídas qualquer tentativa de toque nos seios, pressão clitoriana quer seja com a língua, dedos ou através do pênis. A penetração se dará de forma horizontal com o púbis de forma adequada a evitar que breve levitação venha a exercer pressão clitoriana provocando na leiloeira o mínimo desejo em atingir o orgasmo. Reiteramos que a proponente se dispôs a vender somente a membrana virginal e não o prazer sexual.

Cláusula n. 6 - ao término dos 15 minutos o adquirente se levantará e se dirigirá ao banheiro afim de se higienizar retirando-se logo a seguir para então deixar a agora não mais virgem poder enfim ser analisada por um médico de plantão que verificará se tudo está a contento na realização do seu ato.

Cláusula n. 7 – é terminantemente proibido enviar flores no dia seguinte, ligar para perguntar como passou a noite ou qualquer outro clichê muito comum quando se passa por experiências análogas. Lembramos ao adquirente que ele pagou pela virgindade e não pelo amor.

Ciente do conteúdo contratual assumo e subscrevo, etc ...

Se fosse eu um desses Sheikes das arábias a queimar dinheiro em barril de petróleo por não saber mais o que fazer com ele, compraria a virgindade desta tão necessitada equatoriana. Assinaria o contrato como se fosse um contrato de adesão sem questionar cláusula alguma. Me apresentaria no dia e hora combinados para a execução do contrato conforme as regras estabelecidas no quarto sóbrio escolhido pela distinta senhorita virgem. Ela se despiria enfim para a execução do ato o qual não lhe impediria. Ficaria sentado quem sabe num sofá ou cadeira que pudesse compor a mobília do quarto. Pediria gentilmente a ela que pusesse a roupa novamente e que burlaria algumas cláusulas do contrato. Diria a ela que a deixaria intacta com sua virgindade e que a mesma seria paga sem violá-la. Conversaríamos durante 15 minutos sobre algumas amenidades, sobre a vida, sobre flores, sobre poesia, sobre música etc e ao término do tempo lhe desejaria que sua mãe se recuperasse com o dinheiro obtido pelo contrato. Talvez ela perguntasse meio estupefata: mas você não quis minha virgindade? Eu lhe diria: eu poderia comprar sua virgindade sim, mas não creio que lhe compraria o amor, não creio que lhe compraria a vontade.

Livingston Streck

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A hora inútil

Neste momento da minha vida em que estou, segundo o Instituto Nacional de Seguridade Social ( INSS ), gozando de um período de incapacidade laborativa, portanto longe das responsabilidades da minha rotina, tenho observado e vivido algumas situações que num dia a dia não é possível presenciar.

Sentado à mesa passando o olho em alguns papéis, livros e revistas em busca de algo que pudesse me absorver e captar minha concentração, deparei-me com o relógio marcando catorze horas e cinqüenta e cinco minutos. Fiquei observando o passar do tempo durante os cinco minutos seguintes quando enfim o relógio bateu as quinze horas em ponto.

Parei de fazer qualquer coisa neste momento e fixei-me neste horário cravado no relógio de parede. O que se pode fazer exatamente as quinze horas de um dia? Almocei três horas atrás, acompanhei os noticiários da TV, informei-me das barbaridades cotidianas como prato de sobremesa. Vou fazer meu lanche três ou quatro horas depois das quinze horas provavelmente vendo as mesmas barbaridades repetidas do meio dia pois a sociedade precisa ser martelada todos os dias com estas informações. Este circo de horror precisa estar no inconsciente coletivo como a um vicio afim de atender os reclamos do mercado que tem a mídia como o mais fiel colaborador.

Mas na realidade quero mesmo é falar deste horário marcado no meu relógio. Se estivesse na minha lide diária, no meu trabalho, não prestaria atenção neste horário. Estaria envolto em problemas, falando com algum cliente, cobrando alguma entrega que deveria ter chegado, atendendo o gerente do banco, etc. Mas não. Estou laborativamente incapacitado. Estou momentaneamente inutilizado pelos fatos da vida. E esta incapacitação me propicia ao encontro da hora inútil.

Como é inútil este horário. Distante das coisas boas e ruins do dia. Presumo que neste horário nem se mata e nem se morre. Percebo também que os conflitos, os assaltos e os acidentes se dão no começo da noite. A televisão tem farta matéria prima para vender seus produtos a custa do sangue dos desvalidos, bandidos e inocentes por volta das dezenove horas. Mas as quinze horas, que hora inútil. Tenho a impressão de que nem o ar circula neste horário. A tarde espreguiça-se sobre si mesma numa letargia total.

Alguns autores já trataram determinadas horas de forma folclórica. Rubem Braga em uma de suas crônicas dizia que a meia noite era a hora do capeta. Folclores a parte o que posso afirmar é que senti na pele as quinze horas. A hora inútil.

Livingston Streck