sábado, 26 de março de 2011

A CAMAREIRA E O PEDREIRO DE MINAS GERAIS

Certos acontecimentos que estarrecem a sociedade podem muito bem ir para as páginas de um livro em forma de ficção. E não é a ficção a porta de entrada da realidade?

Reflito sobre isso ao terminar a leitura do livro ¨A Camareira¨ do escritor alemão Markus Orths que descreve a vida de uma camareira ( Lynn ) que após sair do hospicio arruma um trabalho em um hotel e passa a perscrutar a vida dos hóspedes através dos seus objetos e, não contente em observar tais objetos, passa a esconder-se embaixo da cama de um hóspede para dividir sua intimidade.

Lynn na verdade não deseja existir. A existência lhe é um incômodo. Por isso ela pergunta, como seria , se ninguém me notasse?(...) Se ninguém me vê, eu me desfaço numa solução de paz e vivo como que sob a água.

Lynn procura desvendar a presença humana através dos seus objetos. Os pormenores de cada coisa, até as inúteis, denunciam o que a pessoa representa. Torna-se uma detetive da própria curiosidade. Esmiúça os vestígios dos outros para quem sabe imiscuir-se ao seu próprio.

Lynn não quer ser vista e os seus vestígios devem perder-se nos dos outros. Ela nao sabe se vive nem sequer conhece sua existência ou seu sentido. Vive pelos vestígios que encontra pelo meio do caminho. A protagonista do livro tenta limpar o mundo ao extremo. Cada detalhe, cada fresta, cada canaleta deve ser limpa. Para ela o mundo é sujo. As pessoas são sujas.

A história do pedreiro de Minas Gerais não pertence a ficção. É real e estarrecedora. Segundo os fatos jornalísticos, o pedreiro Adão Silvio Santos, 49 anos, assassinou seu patrão, o empreiteiro Sebastião Maximino Santos, 52 anos, em Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte através do micro ondas (forma de exterminar uma pessoa através de pneus colocados em volta da pessoa e posteriormente acionados com fogo ).

A policia concluiu através de inquérito policial que o pedreiro eliminou seu patrão por que o mesmo desejou viver a vida dele. Apossou-se de sua casa, seu carro e seus documentos. O fato nos faz lembrar o filme ¨O talentoso Ripley ¨ que exterminava seus amigos para viver a vida deles.

Onde se imiscuem a vida ficticia da personagem Lynn, a camareira, com a vida do pedreiro Adão Silvio Santos? Ambos não querem viver suas vidas. Não as suportam e não as aceitam. Lynn faz da sujeira uma ponte para encontrar o outro. O pedreiro mata para ocupar o vazio da vítima.

A ficção e a realidade me fazem pensar que estamos nos tornandos ávidos pela vida alheia. A proliferação de redes sociais, Face Book, Orkut, as revistas de fofocas e os realitys shows, são os instrumentos dessa vampirização humana que assola a sociedade alimentando uma indústria do consumo da imagem e da inutilidade.

Queremos o outro pelo outro simplesmente. As ações e o altruismo do outro em prol da humanidade, Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Sergio Bandeira de Mello não são motivo de nossa contemplação. Interessam Marias, Wesleys e Rodrigos. Quem nunca viu tais personagens é so ver o big brother da Globo.

Lynn voltou para debaixo da cama para continuar espionando o outro e viver. O pedreiro está preso sem a vida do outro e sem ¨a própria vida¨.

E nós, estamos vivendo a vida de quem?

Livingston Streck

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