quarta-feira, 1 de setembro de 2010

FAST FOOD AGRAVA CRISE DE CIVILIDADE ENTRE AMERICANOS

Tese é defendida por professora californiana, que vê reflexos na situação de radicalismo político do país

Estudos mostram que pessoas gastam apenas 20 minutos por refeição, o que desestimularia conversa e tolerância


Cristina Fibe
De Nova York

Há uma “ crise de civilidade “ nos Estados Unidos que afeta principalmente a política, e uma das razões para isso é o fato de as pessoas dedicarem cada vez menos tempo às refeições em grupo.

A tese está no livro “ The Taste for Civilization – Food, Politics and Civil Society “ ( o gosto pela civilização – comida, política e sociedade civil; à venda na Amazon.com por cerca de R$ 40,00, mais taxas ), da cientista política Janet Flammang, 62.

Professora da Universidade de Santa Clara, na Califórnia, Flammang diz que a “ arte da conversação “ é aprendida à mesa, onde “ há um incentivo para discordar sem dar aos outros uma indigestão ”.

Em entrevista à Folha, Flammang diz ver esse problema refletido no Congresso, onde os “ políticos de partidos diferentes não socializam “. Em outubro, ela participa de painel promovido pelo governo para discutir o assunto, parte do “ tour da civilidade por 50 estados “.

A iniciativa é de Jim Leach, ex-congressista que foi nomeado pelo presidente Barack Obama como titular do National Endowment for the Humanities, agência do governo dedicada a apoiar pesquisa, educação e programas públicos em humanidades.

Leach viaja pelo país, desde o fim de 2009, dando palestras sobre “ o discurso do ódio e os seus perigos “.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha – A sra. Diz, em seu livro, que a democracia se beneficiaria de refeições mais longas. Como relaciona as duas coisas?

Janete Flammang – Desenvolver a arte da conversação é extremamente importante para aprender a discordar de forma civilizada. E aprendemos essa arte à mesa. Quanto menos tempo dedicamos às refeições, mais colocamos essa habilidade em perigo. À mesa, há um incentivo para discordar sem dar aos outros uma indigestão. Muito da política atual nos EUA é uma política de ataque, na qual se quer marcar pontos e derrubar o oponente, e não ouvir. O foco do livro é a conversação. A conversa não é uma discussão, há regras sobre como ouvir, esperar a vez e guardar o que tem a dizer. A coisa mais próxima de uma conversa é a diplomacia, que todos nós achamos ser extremamente importante. O que me intriga é: por que não estudamos como fazer as pessoas se comportarem com diplomacia?

Folha – Isso está piorando? A conversa está morrendo?

Janete Flammang – Sim. Há muitos estudos que indicam que gastamos, em média, 20 minutos no jantar, à mesa, e mais e mais pessoas já nem se sentam para dividir uma refeição, pegam algo e saem correndo. Meu livro é sobre a situação americana, mas há evidências de que outras culturas estão se tornando mais como os EUA, onde o trabalho é a coisa mais importante e você é consumido por atividades. As pessoas não param para pensar no custo de não se sentar e ter conversas, e cara a cara, porque é claro que muita coisa hoje é eletrônica.

Folha – Quais são os sinais de falta de civilidade nos EUA?

Janete Flammang – Podemos começar pelo Congresso. Tem havido forças-tarefa pela civilidade promovidas por Congressistas, que dizem que perdemos a civilidade na Casa, a habilidade de socializar com pessoas de outro partido e de discordar. Muito disso se relaciona à chamada revolução republicana de 1994, quando Newt Gingrich tomou conta [ da Câmara dos Representantes ]. Muitos vêem isso como um ponto-chave, porque ele disse aos republicanos que voltassem aos seus distritos todos os finais de semana e não mudassem suas famílias para Washington. Isso significou que havia muito pouca socialização entre congressistas. Hoje, as salas de jantar estão vazias, eles não se socializam.

Folha – As iniciativas de Michelle Obama [ pela alimentação orgânica e contra a obesidade infantil ] tiveram resultado?

Janete Flammang – Qualquer coisa que a Casa Branca faça tem grande importância simbólica. E as pessoas que trabalham na Casa Branca estão muito mais sensíveis a essas questões do que antes. Não só o Departamento da Agricultura, mas outros departamentos estão mais preocupadas com produtos de qualidade e com a crise da obesidade. Michelle não tem poder oficial, mas, nos EUA, o comportamento da “ primeira família “ tem grande importância simbólica.

Folha – Repito uma pergunta que a sra. faz: como é possível encontrar tempo para rituais alimentares em uma cultura acelerada e workaholic?

Janete Flammang – Depende de cada lar, não há uma única resposta única. Sei que em lares em que os salários são baixos é muito difícil, mas a primeira medida a tomar é encontrar uma maneira para que haja pelo menos um jantar comum [ por semana ]. Questiono também o número de horas que os americanos dedicam ao trabalho. Devemos ter cargas horárias mais humanas, para que os pais possam voltar para casa antes de os filhos dormirem. A Europa tem dias mais curtos e igual produtividade. Falo no livro sobre o modelo europeu de menos horas, mais tempo para a vida.

Fonte: Folha de São Paulo, caderno mundo A24, 22/08/2010.

Transcrito por Livingston Santos Streck

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