terça-feira, 10 de agosto de 2010

O PREÇO DO AMOR ( O CASO SAKINEH )


Eu, como muitos que souberam da condenação da iraniana Sakineh à morte através do apedrejamento devido aos seus crimes de, amar outro homem e, assassinar o marido, nos consternamos e fomos tomados pela piedade em defender a vida desta mulher. Naturalmente não brincamos e nem fizemos gracinha como o Presidente Lula que até imitou os possíveis gritinhos da vítima recebendo as pedradas na cabeça. A propósito dos métodos educativos, punitivos e pedagógicos iranianos, soubemos pela mídia que a pessoa condenada à morte por apedrejamento é enterrada até o pescoço ficando somente sua cabeça à mercê das pedras. Sabemos também que é um método antiquado e ultrapassado mas usado ao bel prazer da justiça iraniana quando assim o convém.

Nunca saberemos e não teremos acesso aos autos do processo condenatório de Sakineh. O que nos foi permitido saber é que a transgressora teve um caso extraconjugal, regado talvez a um bom vinho, algumas velas coloridas, um amante perfeito que a abraçou e a beijou de corpo inteiro numa noite de lua cheia e estrelada. Por outro lado também eliminou seu marido, quem sabe um estorvo em sua vida, um bêbado repugnante e desrespeitoso que sempre se jogava pra cima dela para fazer sexo sem ao menos tomar banho. Matou-o com a ajuda de seu comparsa. Foi condenada pelas leis de seu país da qual tem plena consciência e sabia de antemão que suas atitudes poderiam levá-la à morte. Quem sabe, prevendo que isto poderia lhe acontecer, amou intensamente e pelas informações, parece-me que amou mais de um homem. Sakineh está dando sua vida pela tentativa de romper os grilhões que a amordaçam. Sakineh está dando sua vida por que a mesma não lhe pertence. Não lhe pertence o amor, não lhe pertence o orgasmo e não lhe pertence a vagina. Tudo isso pertence ao governo de Mahmoud Ahmaddinejad, o mesmo que está fazendo a bomba atômica.

Sakineh não terá o privilégio de conhecer Ipanema nem o posto 9 onde poderia fazer tranqüilamente seu top less. Não conhecerá as praias de nudismo brasileiras nem poderá freqüentar o grande número de clubes de swing espalhados pelo Brasil. Sakineh vai morrer e com ela seu desejo, seu orgasmo e sua vagina.

Esta história lembrou-me do meu primeiro trabalho na Faculdade de Direito onde tivemos que defender a justiça praticada na China e no Oriente Médio. Incumbi-me de levantar alguns dados sobre as execuções sumárias na China e concluir que cada local tem a sua justiça de acordo com a sua cultura, que cada país estabelece sua forma de condenação baseada em sua ancestralidade em que normalmente o povo aceita, acata e a tem como suficiente quiçá perfeita. Lembro-me que minha colega defendeu os homens bombas tentando entendê-los pelo viés psicológico, pois um povo extremamente massacrado irá criar meios para defendê-los usando dos meios até suicidas se possível. Se não há canhões para lutar, o corpo será o canhão.

Lamento a condenação de Sakineh e a possível perda de sua vida. Será cumprido um regimento e a lei local será invocada para defender os princípios daquele povo.

Façamos então uma reflexão sobre este caso voltando os olhos para o nosso país. Lá no Irã uma mulher será morta por que descumpriu a lei do seu país. E aqui? Quantas mulheres são mortas por seus maridos por que socializam seu amor, seu corpo e sua vagina num país livre? Quantas mulheres morrem aqui, sem julgamento, sem condenação, sem ao menos o ritual preparatório que certamente ocorre no Irã? Então por que me condoer com a Sakineh? Por que o Presidente Lula está tão preocupado com a Sakineh se as mulheres do seu país estão sendo assassinadas diariamente por seus homens e ainda conseguem a leniência da justiça para ficarem em liberdade até o julgamento?

Desculpa Sakineh, as mulheres do meu país merecem muito mais as minhas lágrimas e meu consternamento. Você pediu para que seu filho não presenciasse sua morte o que achei de profundo amor e respeito ao seu filho e certamente você será respeitada. Mas e aqui? Quantos filhos presenciam a morte de suas mães sem dó nem piedade?

Que o próximo presidente do país, seja ele qual for, preocupe-se mais com seu país e seus problemas do que com o resto do mundo. Ou então que vá candidatar-se lá onde a Sakineh irá morrer.

Livingston Streck

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