sábado, 10 de abril de 2010

SOB O IMPÉRIO DA BOBAGEM

No conto “ A muralha e os livros “ do escritor argentino Jorge Luis Borges, ele nos fala de um imperador chinês chamado Che Huang-ti, que mandou queimar todos os livros antes dele e que ordenou também a construção da muralha da China. Queria dar inicio à história a partir dele e conseqüentemente apagar o passado. Nenhum registro do passado, nada ocorrido. Tudo começa a partir daqui e a muralha uma espécie de extensão do próprio ego.

A partir deste breve apanhado do texto de Borges ocorreu-me falar de um império imposto hoje na sociedade. O império da bobagem. Se o imperador chinês achou por bem dar fim aos livros para aniquilar a história, o distanciamento dos livros, a não leitura e a não recorrência, provoca a meu ver um determinado aniquilamento aos livros, conseqüentemente à nossa história.

Uma mídia que massifica cada vez mais a sociedade, eliminando o senso crítico, a depuração cognitiva e o senso estético, caminhamos para o império de Che Huang-ti. Sem passado e uma muralha à nossa frente.

No livro “ Quem somos nós “ que originou o filme homônimo, à pg. 126, os autores William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente dizem o seguinte:

“ Que tipo de conhecimento a mídia de hoje apresenta às pessoas? Só o necessário para que saiam e comprem um hambúrguer. Nunca o suficiente, de fato. Nunca o bastante para inspirar e mostrar o que é possível na vida.”

Vivemos sob o império da bobagem e da coisificação. Recentemente a Rede Globo, pela décima vez, pos no ar o programa BBB que atingiu os maiores índices da história de reality shows do planeta. A última votação para dar o prêmio ao finalista bateu a faixa dos 135 milhões de acessos. O que leva tanta gente assim a desejar dar um prêmio a um ilustre desconhecido que nada fez pela sociedade, nenhum livro escrito que merecesse um Nobel, nem uma descoberta cientifica que viesse tirar milhões de pessoas da doença e do sofrimento? Ouviu-se aqui e acolá que tal personagem tem caráter. Caráter? Um milhão e meio de reais anda remunerando caráter? Quanto vale o seu e o meu caráter?

Ainda fazendo menção ao livro “ Quem somos nós, “ à pg 129, os autores dizem o seguinte a respeito da fama e do dinheiro:

“ O bombardeio diário da publicidade procura dar ênfase à idéia de que a realização é alcançada quando obtemos alguma coisa no mundo exterior. Mas o fato é que depois de conseguir mais automóveis, casas, dinheiro e fama, o que resta é você mesmo.”

O império da bobagem nos faz acreditar na religião da coisificação. O “ caráter “ vai sempre ter um processo associativo ao aquisitivo. Mensura-se a pessoa pela propriedade. Se não estou lá para ganhar o prêmio vou premiá-lo como se fosse a mim mesmo. No fundo todos os votantes do escrutínio do BBB são os ganhadores do um milhão e meio.

E assim vamos sendo sucumbidos ao império da bobagem auxiliando o nosso grande Che Huang-ti a queimar livros e a nossa própria história. E similarmente aos fatos históricos, contribuímos para a grande construção da nossa muralha que ao fim servirá a uns poucos que se locupletarão deste vazio impositivo, deste desmemoriar de um povo.

Livingston Streck

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