sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

DIREITOS AUTORAIS COBRADOS DE HOTÉIS. UM ANACRÔNISMO NO TEMPO?

Não tenho procuração de nenhuma entidade, categoria ou associação de rede hoteleira para expor meu pensamento a respeito desse anacronismo que é a cobrança do ECAD dos direitos autorais referentes ao conteúdo veiculado por rádio e televisão dos equipamentos disponibilizados em grande parte dos seus aposentos.

Esta cobrança se dá devido à Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98 que dispõe em seu artigo 68, parágrafo 3º o seguinte:

“ Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.”

Não tenho o intuito de descaracterizar os hotéis e motéis, objetos da minha reflexão, na sua concepção de locais de freqüência coletiva intuído na lei. Os são pela sua característica e propósito comercial. O que desejo ressaltar então é exatamente o seu propósito como entidade comercial que não se coaduna a grande parte dos agentes expostos na lei, onde, a meu ver, produz este anacronismo e a subseqüente lesão de caráter pecuniário a esta categoria.

Atentemos para o conceito de fornecedor segundo o Código de Defesa do Consumidor que assim expõe em seu artigo 3º:

“ Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Para melhor entendimento do artigo acima, principalmente no que diz respeito a serviço, cito as palavras do Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho em seu livro Direito do Consumidor – fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial, 4º ed., Lúmen Júris Editora:

“ Buscando também precisar a sua natureza, descreve a lei consumerista como serviço – qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. ( art.3º, par. 2º ). Trata-se pois, de atividade laborativa, ofertada no mercado de consumo mediante remuneração.” Pg. 39.

Mister perguntar a partir das definições expostas em relação a fornecedor e fornecedor de serviços, qual a atividade laborativa remunerada pelos hotéis e motéis? O que especificamente vende a rede hoteleira para auferir ganho e lucro?

Essencialmente, entendo que os hotéis disponibilizam seus aposentos mediante remuneração para em troca os seus usuários, oriundos de outros lugares, a passeio, a negócios ou até mesmo para momentos de intimidades sexuais com seus parceiros(as), desfrutarem de um mínimo de conforto de acordo com a sua disponibilidade em pagar por tal serviço. Ninguém, a meu ver, usufrui de um quarto de hotel por que o mesmo pode ter um aparelho radiofônico ou televisivo. O hotel essencialmente dispõe descanso. O motel, discrição.

Em súmula do STJ de nº 63 o egrégio tribunal dispôs o seguinte texto em relação aos direitos autorais:

“ São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais.”

Destaco jurisprudência proferida pelo saudoso e brilhante Ministro Carlos Alberto Meneses Direito em Repertório de Jurisprudência de Direito Civil e Processo Civil organizado por Renato Montans de Sá – 2º edição – Ed. Premier máxima:

“ DIREITO AUTORAL – MOTEL – LEI Nº 9.610/1998 – SÚM. Nº 63-STJ
Com o advento da Lei nº 9.610/1998 ( art. 68, par. 2º e 3º ), não mais se permite que a motéis escapem à incidência da Súm. nº 63-STJ. Com esse entendimento, a seção prosseguindo o julgamento, deu provimento ao recurso do ECAD.
Resp 556.640-MG Rel. Min. Carlos Alberto Meneses Direito, julgado em 9/6/2004. ( pg. 736)

Não querendo ofuscar o enunciado do brilhante ministro penso que a súmula 63 não se aplica ao estabelecimento em questão pela sua falta de abrangência e consistência. A freqüência coletiva de hotéis e motéis difere completamente da freqüência coletiva de bares, teatros e concertos onde o produto ( música ) aí sim, pode ser um elemento em benefício do estabelecimento que poderá atrair pessoas ao recinto. O grande equívoco na falta desta diferenciação entre os estabelecimentos comerciais está na supressão da sua atividade fim onde reside o cerne da questão e do possível aproveitamento pecuniário direto ou indireto.

A súmula que melhor se aplica ao caso mesmo que equivocadamente, insisto em dizer, é a de nº 261 do STJ que assim está disposta:

“ A cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas, em estabelecimentos hoteleiros deve ser feita conforme a taxa média de utilização do equipamento, apurada em liquidação.”

O Eminente e saudoso Ministro Carlos Alberto Meneses Direito acerta com triunfo em jurisprudência bem aplicada no que se refere a direito autoral. Repertório de Jurisprudência de Direito Civil e Processo Civil organizado por Renato Montans de Sá – 2º edição – Ed. Premier máxima. In verbis:

“ DIREITO AUTORAL – TRILHAS SONORAS – EXIBIDOR
A turma reafirmou que são os exibidores os responsáveis pelo pagamento dos direitos autorais de trilha sonora constante de filme e que desnecessárias a indicação de a qual a entidade se filia o titular do direito e a identificação das músicas e seus autores.”
Resp 590.138-RS Rel. Min. Carlos Alberto Meneses Direito, julgado em 7/6/2005. ( pg. 987).

Deparamo-nos com jurisprudência bem aplicada pois a mesma atinge a atividade fim do agente. É louvável e justo a aplicabilidade da lei 9.610/1998 a todos os estabelecimentos que usufruem do produto oriundo do direito autoral e que dele se beneficiam.

Insto em ressaltar o texto da lei 9.610/1998 no seu art. 68 parágrafo 4º e 5º que regula e orienta sobre a cobrança e a arrecadação dos valores sobre direitos autorais. Assim diz os referidos parágrafos:

4º “ Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.”

5º “ Quando a remuneração depender da freqüência do público, poderá o empresário, por convênio com o escritório central, pagar o preço após a realização da execução pública.”

É satisfatória a correta aplicabilidade da lei quando a mesma atinge o seu agente e sua atividade fim. Não compactuamos com o locupletamento e o enriquecimento sem causa em nenhum nível. Entendemos que os autores de obras artísticas, musicais e literárias são merecedores de sua remuneração. O código civil de 2002 estabelece no artigo 884 que “ aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

Porém, ressaltamos veementemente ser injusta a cobrança de direitos autorais de hotéis e motéis pelos argumentos expostos no texto em questão. No mundo hodierno onde a tecnologia da informação e os produtos high-tech se apresentam em novos formatos diariamente, onde temos IPODS, iphone, celulares com câmeras de vídeo e MP3, note book e netbook, o rádio e a televisão passam a ser aparelhos secundários e em breve de pouca utilidade frente a toda tecnologia que as pessoas tendem a adquirir. Cobrar direitos autorais de quem supostamente ligar uma televisão ou um rádio em hotel ou motel é no mínimo anacrônico e indevido. Até por que o custo dos direitos autorais é repassado ao cidadão que só quer ir para o hotel para dormir ou para amar. Música se escuta em casa onde sai de graça.

Livingston Streck
Bacharel em Direito
Especializando em Direito Imobiliário e Direito do Consumidor.

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