segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O ANTROPÓFAGO

Um suposto caso de antropofagia ocorrido no dia 3/2 por um membro da tribo dos culinas tomou as manchetes dos jornais e evocou neos-estudos antropológicos a respeito do fato considerado “ defasado temporalmente “ segundo as palavras de João Pacheco de Oliveira, antropólogo e coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia ( ABA ), conforme entrevista no Caderno Mais, Folha de São Paulo, 15/3/2009, pg. 3.

Os índices de homicídios e chacinas ocorridos em nosso país já se tornou tão corriqueiro que pouco merece nossa atenção a não ser a espetacularização de uma Isabela aqui e uma Tainá acolá. Um índio se refestelando com uma carne humana a garfo e faca, episodicamente pode nos trazer alguma reflexão.

O fato suscitou alguma preocupação por parte de quem vive e estuda com mais afinco a cultura indígena de nosso país no tocante a possibilidade de um ressurgimento da prática antropofágica em algumas tribos indígenas dentre as quais os culinas.

A vítima de nome Océlio de Carvalho, 21 anos, não poderia figurar nos anais das estatísticas policiais dos homicídios que reverberam diariamente na nossa civilizada sociedade. Océlio foi protagonista e elemento principal de uma cultura pertencente e arraigada a um grupo autóctone que idealizou e costurou seus atos de acordo com os interesses sociais de manutenção e sobrevivência culturais. Se advogado fosse do antropofagista na hipotética condição do mesmo ser indiciado como homicida, evocaria nossa Constituição Brasileira que assim se refere aos índios no seu art. 231 in verbis: “ São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Aos índios são reservados o direito a prática de seus costumes dentro das suas demarcações não sendo a eles imputados nem o dolo nem a culpa pelo atos cometidos.

Mesmo que o código penal o enquadrasse em seu art. 121 onde le-se: Matar alguém: pena – reclusão de 6 (seis ) a 20 ( vinte ) anos, haveria a chance de reduzir sua pena senão absolve-lo pelo que está expresso no parágrafo 1º do referido art. in verbis “ se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”

Data máxima vênia Excelentíssimo mas peço a absolvição do agente antropófago por entender seu ato e sua prática dentro dos moldes de sua cultura conforme reza nossa Constituição e ao digerir a vítima, conforme expresso no código penal, o mesmo o fez impelido por relevante valor social ou moral. A FOME.

Livingston Streck

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